Sociedade
Rosa Inguane: um exemplo de resiliência feminina no jornalismo

No mês de Abril, a atmosfera ressoa com as vozes das mulheres, marcadas pelo dia 7, dedicado à celebração da Mulher Moçambicana. Mas não é apenas isso que Abril traz consigo.
No dia 11, surge uma outra homenagem, desta vez aos bravos guerreiros da palavra, os jornalistas moçambicanos. Neste contexto de reconhecimento duplo, surge uma figura que personifica ambas as datas com distinção: Rosa Inguane.
Mulher de 61 anos, nascida em Maputo, mãe, avó e agora bisavó, ela abraçou o jornalismo em 1979 por pura paixão e vocação. Crescendo num lar onde a liberdade de escolha profissional era incentivada, Rosa encontrou no jornalismo não apenas uma carreira, mas uma missão. Carinhosamente chamada de tia/mãe Rosa, não só pela sua idade, mas também pela maneira gentil como orienta os jovens jornalistas na província de Nampula, onde exerce a sua actividade, ela é verdadeiramente um farol de resiliência feminina no campo do jornalismo. O seu tempo e experiência na profissão são testemunhos vivos da sua dedicação incansável. Ao longo de sua trajetória, tia Rosa já deixou a sua marca em diversas plataformas, desde o jornal Notícias até o semanário desportivo Desafio, passando pela Rádio Moçambique e actualmente na Agência de Informação de Moçambique (AIM). Além de seu trabalho na AIM, Rosa Inguane também desempenha o papel de Coordenadora Provincial da Associação dos Jornalistas Ambientais (AJA), uma organização com sede em Maputo. Para obter uma visão mais profunda da sua jornada profissional e inspiradora, o nosso jornal teve o privilégio de conversar com Rosa Inguane.
Ngani: Tia Rosa, poderia partilhar connosco um pouco sobre o seu percurso no jornalismo?
Rosa Inguane:Abracei o jornalismo em 1979 e, até então, é a minha única profissão, tirando isso, não sei fazer mais nada, e ao longo do tempo tentei aprender a melhorar, ser uma jornalista com capacidade, espalhar credibilidade, e foi isso que fui fazendo, observando, aprendendo, continuando a fazer o jornalismo com vontade. Nesta altura, eu já sou uma jornalista reformada da Rádio Moçambique por exemplo, mas não parei de fazer o jornalismo, continuo a trabalhar na mesma área, só vou parar quando morrer, enquanto tiver vontade, minha cabeça estiver boa, conseguir ler e escrever, eu vou continuar a fazer jornalismo.
N: Ao longo de sua extensa jornada no jornalismo, houve algum evento ou momento que a marcou profundamente?
RI:Um episódio que ficará gravado na minha memória para sempre ocorreu em 1991, durante minha estadia em Angola, no período da guerra civil naquele país. Eu encontrava-me em Luena, onde os combates eram intensos. Éramos apenas duas mulheres no meio de um grande número de homens. Nos levaram para um abrigo para passar a noite, mas o tiroteio e os bombardeios eram incessantes. Era a primeira vez que eu me deparava com tantos sons de armas e explosões, e eu comecei a chorar de medo. Nesse momento de fragilidade, os meus colegas que estavam comigo reagiram de maneira surpreendente. Em vez de me confortar, me disseram para calar a boca e deixá-los dormir em paz. Para eles, que estavam mais acostumados com a situação, era apenas mais uma noite de combate. Mas para mim, era uma experiência totalmente nova e assustadora. Essa situação marcou-me profundamente, pois foi um momento em que me senti vulnerável e incompreendida.
N: Sendo uma mulher que chorava por medo onde estavam muitos homens, não considerou a reacção deles como uma violência baseada no género?
RI: Não, para mim não foi nada disso, foi apenas um episódio durante o trabalho, e eu nesta profissão, não costumo fazer esta distinção, até porque jornalista é uma palavra feminina. Na verdade, acredito que as mulheres estão numa posição privilegiada para se destacarem como jornalistas em comparação aos homens. Elas possuem uma capacidade única de persuasão e dissuasão, além de outras habilidades que lhes permitem obter informações de maneira eficaz. Portanto, não me senti incomodada com essa situação.
N: Tia Rosa, como é que abraçou a causa da AJA, e quais são actividades que tem exercido com esta agremiação?
RI: O presidente dessa associação, que é um colega e amigo nosso, entrou em contacto por telefone e disse: “Olha, Rosa, em Nampula vocês têm uma grande riqueza no território, mas nós não temos nenhum representante para nos ajudar a divulgar as nossas actividades como jornalistas e a familiarizar-nos com a realidade aí em Nampula. Você estaria disponível?” Respondi que sim, estava disposta, e assim começamos. À medida que o tempo passa, tenho conseguido envolver outros colegas nessa causa. Felizmente, contamos com a colaboração de órgãos governamentais, empresas e organizações, que nos apoiam com recursos. Para desenvolver esse trabalho, é essencial ter os meios adequados, e temos sido bem-sucedidos nas actividades como educação ambiental, plantio de árvores e acções de limpeza. Algumas organizações já nos convidam para participar dessas iniciativas, o que nos proporciona visibilidade.
N: Jornalista, mãe, avó, bisavó e esposa – como é equilibrar esses papéis e encontrar tempo para lidar com tudo isso?
RI: Não é tão complicado, pois um jornalista precisa ser organizado, o que permite fazer a gestão do tempo com eficiência. Como mulher, antes de sair para o terreno, planeio as minhas actividades para o dia todo. Agora que o meu escritório é em casa, tenho mais flexibilidade de tempo. Sou do tipo de pessoa que prefere ter uma agenda pronta no dia anterior para organizar o meu próximo dia. Com essa organização, é possível lidar com tudo.
N: Um conselho de profissional para a nova geração.
RI:Se você tem o desejo de ser jornalista, siga em frente, estude e defenda-se. Esses são aspectos cruciais; é essencial protegermo-nos e defendermo-nos.
N: Apesar de vermos um aumento no número de mulheres que optam pelo jornalismo, ainda há uma escassez delas nessa área. Na sua opinião, qual é a razão disso?
RI: As meninas muitas vezes têm receio de se envolver no jornalismo devido ao tempo que essa profissão exige. Elas questionam a si mesmas se terão tempo para se dedicar a outras áreas das suas vidas, como ser mãe, esposa ou se envolver em outras actividades. Esse é um desafio significativo para as meninas, já que a disponibilidade de tempo é crucial. Por exemplo, mesmo depois de um dia de trabalho como jornalista, ao chegar em casa, muitas vezes é esperado que elas assumam responsabilidades domésticas, como cozinhar, enquanto os homens podem simplesmente sentar-se à mesa. Essas diferenças nos papéis sociais desempenhados por cada género contribuem para essa disparidade percebida.
É preciso disponibilidade e vontade para exercer o jornalismo
Tia Rosa expressa a sua felicidade pelo crescente interesse na profissão jornalística, tanto por parte dos homens quanto das mulheres. Ela reconhece que muitas mulheres desejam abraçar essa profissão, que considera nobre, apesar da sua exigência. “O jornalismo é uma profissão nobre, mas é muito exigente, e as pessoas têm de ter disponibilidade e vontade para continuar nesta profissão, principalmente porque é uma que as pessoas não ganham muito dinheiro, então é preciso ter uma certa paciência e vontade de continuar no exercício”, disse.
Uma fonte de inspiração para mulheres jornalistas da nova geração
Com a sua vasta experiência e disposição para orientar os jornalistas da nova geração, Rosa Inguane, ou simplesmente tia/mãe Rosa, como é carinhosamente chamada pelos profissionais de comunicação em Nampula, é reconhecida como um exemplo de resiliência feminina, especialmente para as mulheres. Ângela Fonseca, jornalista do Jornal Ikweli, acredita que falar de Rosa Inguane é como olhar para um espelho, pois ela iniciou a sua carreira jornalística na área de desporto numa época em que poucas mulheres se envolviam nesse campo em Moçambique. “Está área era vista como masculina, e ter a tia Rosa, uma mulher, no ramo, que era vista como alguém que não podia, mas que se revelou capaz, e mostrou que nós as mulheres também podemos trabalhar na Redacção do desporto; essa garra dela acaba trazendo inspiração para nós da nova geração, porque mesmo não estando já naquela área, ela continua mostrando aquela garra no jornalismo em geral, então é um exemplo a seguir para nós jornalistas mulheres da nova geração”, comentou Ângela.
Ângela Fonseca faz um apelo para que as mulheres superem o receio de abraçar o jornalismo. Ela observa que, embora muitas mulheres se inscrevam e se formem nas escolas de jornalismo, algumas ainda têm receio de seguir a profissão. “Posso dar exemplo da faculdade onde passei, tinham lá muitas mulheres, mas acontece que quando já é para exercer a profissão, elas não dão as caras, isso se calhar pela natureza da própria mulher, porque a sociedade olha para ela como quem deve ficar em casa a cuidar do lar, e ela acaba se apegando nesse pensamento, deixando de lado a questão profissional. Ela forma-se, mas porque o jornalismo tem aquela componente de não ter hora, então se não tiver um parceiro ou familiar que dá aquela força e motivação para continuar, e que a perceba acima de tudo, torna-se difícil, mas eu apelo as mulheres a abraçarem a área, que é para podermos elevar as outras, e sermos a voz das outras que não têm”, apelou.
Adina Sualehe, uma jornalista correspondente da Voz da América (VOA) em Nampula e colaboradora do Ikweli, vê tia/mãe Rosa como uma mulher resiliente. Para ela, Rosa está a viver uma segunda vida profissional na mesma área, o jornalismo, após se aposentar da Rádio Moçambique e continuar a sua carreira na AIM. Adina destaca que Rosa, como mulher, transmite uma sensação de segurança e capacidade, desafiando a ideia de que o jornalismo era uma profissão exclusivamente masculina por muito tempo.
“Apesar de actualmente termos aquilo que são estereótipos, olhando ela, o seu percurso, aprendemos que temos de ter forças, e embora que haja barreiras que vamos encarando ao longo do percurso, é preciso exercer a mesma, porque somos capazes. Tia Rosa é uma pessoa que nos dá bom exemplo de profissional, tem muita entrega pelo jornalismo, ela tem ajudado bastante na percepção de algumas dúvidas durante o exercício, então é um exemplo de profissional que temos a sorte nós de Nampula, de ter, porque eu costumo a dizer que tia Rosa está a viver a segunda parte da profissão”, disse Adina.
