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Cultura

Uma breve nota do “Walks of Life” de João Cabral!

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“A música oferece à alma uma verdadeira cultura íntima e deve fazer parte da educação do povo”.

François Guizot

Este é um disco rico em ritmos e sonoridades que exaltam a identidade africana e a nossa diversidade moçambicana. Partindo de África espelha sonoridades da Marrabenta ao Soukous, passando pelo Kwela entre outras melodias que se misturam com o Jazz, mostrando a verdadeira peculiaridade na forma de executar a musicalidade africana e em particular a moçambicana. Porém, está patente a base do Jazz (quanto baste e não, necessariamente, o standard). Tal se multiplica nas suas mais variantes (Smooth Jazz, Cool Jazz, Cape Jazz, Jazz Cruzado e o Latin Jazz). Mas, também ouvimos outras sonoridades do mundo (Samba brasileiro e Soul Music). “Walks of Life” é uma digressão musical que de certo modo faz jus ao próprio nome do álbum que, de certa forma, traduz a “caminhada de vida” feita ao longo da produção do disco e uma porção daquilo que ao longo deste tempo João Cabral foi colhendo na estrada do Jazz. Percebe-se que o disco tem muitas experiências e inúmeras influências culturais.

É um disco feito para o mundo e que acima de tudo exalta a diversidade cultural, sem ignorar a identidade cultural do autor. As harmonias dos temas são exemplo disso. Ao iniciar a escuta do disco, logo no primeiro tema, somos recebidos com uma “saudação” (tal como é “saudade” a “Suzete”, na música “Salute to Suzete”). O solo inicial de guitarra acústica, no “Salute to Suzete”, leva-nos para uma viagem pelas sonoridades e ritmos latinos e ao longo do mesmo tema, somos surpreendidos com uma transposição que nos faz regressar aos ritmos caseiros ou as nossas origens. Os acordes, em algumas secções do solo, fazem-nos recordar do mestre Fany Mpfumo, na música “Famba a Hombi”. Ou seja, partindo daqui podemos perceber que a questão da identidade não se fica, apenas, por este toque e neste tema, em particular. Mas, é uma constante; é uma regularidade que se sente ao longo do disco. Por exemplo, no tema “Cunhada Jorgina” percebemos que a tendência da essência identitária” se encontra muito bem patente. Sente-se na harmonia, no ritmo e na sonoridade. O solo da guitarra (provavelmente de marca Yamaha) é tocado ao jeito moçambicano, com solos que, de certa forma (neste tema), nos recorda o perito da Marrabenta que fez os seus registados com bandolim (Ernesto Ndzevo, Ximanganine). É sabido que há quem apelida a fusão do Samba e da Marrabenta como sendo “Marrasamba” (projecto do qual já fizeste parte ao lado do Timóteo Cuche, teu co-cidadão e colega de academia, e Sérgio Castanheira, do Rio de Janeiro, sob acompanhamento da Professora Katharina Döring. Em bom rigor a madrinha, para a vossa ida a Bahia, foi a Professora Flávia Candusso da Universidade Federal da Bahia). Neste caso não ficaria nada mal apelidar este encontro entre o Afro-Jazz e a Marrabenta, no exagero, como sendo “Afro-Marra-Jazz” ou “Marra-Afro-Jazz”. (Encontrarão os estudiosos de música o melhor termo). Se em “Cunhada Jorgina” a Marrabenta é que sobressai, em “Lovely Smile” é o Samba que se torna mais saliente e que bem se edifica com o que pretendes expressar: a diversidade cultural e a proximidade sonora entre culturas.

É notável no tema “My Lament” as influências, mais do que salientes, do Smooth Jazz e R&B. Percebe-se que Cabral já ouviu, óbvio, e, talvez, foi influenciado pelas guitarradas de Mark Whitfield, Lee Ritenour e Norman Brown. Ainda que se encontre em alguns dos temas a inspiração vinda de George Benson, devemos aceitar, também, que é audível de longe as influências do considerado “pouco ortodoxo” guitarrista de Jazz, o Wes Montgomery. Em “Marrapassada – Tell Me What You Want” e sobretudo em “Urban Soul – That’s It” percebemos uma autêntica celebração da identidade. Aqui João Cabral veste bem a categoria de “Southern Africa Jazziest”. “Marrapassada – Tell Me What You Want” logo de primeira nos leva a viajar para os ritmos do Afro-Jazz da costa do sudoeste da África do Sul, por exemplo Cape Town. Ou seja o “Afro-Jazz made in CT” como já é conhecido entre nós. As influências que vêm do Kwela, como fiz referência no início, são bem patentes. As convincentes ligações com o Soul Music e R&B (ritmo que traz para além do Jazz, o Gospel, o Blues e o Funk) são patentes sobretudo no tema “See You Forever Dad” (Até Sempre Pai)” – um tema com alma e feeling – onde cantas e homenageias da melhor maneira o Sr. João Armando (teu pai).

No “Walks of Life” não passam despercebidas as ascendências de outros ritmos africanos, onde nos temas “Mama Wangu” e ”África Minha Essência” percebemos patentes as sonoridades vindas do centro e oeste de África (tais como a Rumba congolesa, o Makossa dos camaroneses e o Highlife dos gaienses). Sente-se a ousadia, diga-se de passagem, em evidenciar sons Soukous. Em outras sonoridades como definidas em “Urban Soul” percebemos que desfilam, talvez de forma propositada ou não, um naipe de músicos e instrumentistas moçambicanos radicados por onde João Cabral se formou: moçambicanos (John Hassan, na percussão e os irmãos Tony e Frank Paco, na percussão e bateria). Ouvimos, similarmente, toques de Camillo Lombard (piano & teclados), Dylan Roman (piano & teclados), Peter Ndlala (baixo). Cabral incute o seu som e deixa-se influenciar. Afinal, juntos para além de partilhar os bancos da Universidade da Cidade de Cabo partilharam estúdios, palcos e muitos gigs.  

Mais nada se pode dizer senão assumir que estamos diante de um disco que depois de uma caminhada feita na vida, percebemos a celebração da identidade e da diversidade cultural. “Walks of Life” é um disco de Jazz feito por um africano; feito por um moçambicano para o mundo. Mais uma vez: obrigado João Cabral pelo “Walks of Life”. Bela obra!

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