Sociedade
Defensor dos direitos humanos João Nhampossa defende responsabilização do Estado pela crise no Sector da Saúde

O sector da saúde em Moçambique têm enfrentado grandes desafios nos últimos tempos, incluindo dificuldades financeiras, falta de recursos humanos qualificados, escassez de medicamentos nas unidades sanitárias, infraestruturas degradadas, entre outras adversidades que colocam em causa o uso e utilização dos serviços por parte dos utentes.
O cenário de crise é tão caótico que até a Associação dos Profissionais de Saúde Unidos e Solidários de Moçambique (APSUSM) e a Associação Médica de Moçambique (AMM) têm buscado soluções através de greves sistemáticas, mas sem sucesso, pois o Governo não se mostra disponível para resolver os problemas que afetam as classes profissionais, como a melhoria das condições de trabalho.
Com o objetivo de encontrar soluções para este cenário no Sistema Nacional de Saúde (SNS), o Observatório Cidadão para Saúde (OCS) realizou recentemente um webinar para refletir sobre os actuais desafios que o sector da saúde enfrenta a vários níveis, com enfoque nos impactos das greves conduzidas por diversos grupos de profissionais da saúde. O objectivo era discutir, além dos desafios, outras oportunidades de financiamento para a melhoria da prestação de serviços de saúde em Moçambique.
Na ocasião, o jurista e defensor dos direitos humanos, João Nhampossa, afirmou que a actual crise tem responsáveis, ou seja, pessoas que levaram o sector da saúde a esta situação, mas que, desde o início da crise, ninguém foi responsabilizado.
Para João Nhampossa, a responsabilização é o caminho para a solução, enquanto a impunidade apenas agrava a crise, pois as pessoas estão tranquilas, acreditando que não sofrerão consequências pela falta de transparência e pelos danos causados ao sector da saúde, sentindo-se protegidas pela impunidade.
Neste contexto, Nhampossa defende que é necessário acabar com a impunidade e responsabilizar o Estado pela crise no sector da saúde em Moçambique, uma vez que este tem a obrigação de garantir o direito à saúde para todos os cidadãos.
Ele ressaltou que o direito à saúde é previsto pela lei e está consagrado na Constituição da República, em seu artigo 89, que assegura a todos os cidadãos o direito à assistência médica e sanitária, nos termos da lei, bem como o dever de promover e defender a saúde pública.
Para o jurista, este é um direito constitucionalmente consagrado que deve ser aplicado de forma imediata e respeitado independentemente da situação de crise. Ele explicou que, mesmo em situações de greve, o direito à saúde não fica suspenso. “A greve pode ter seus fundamentos legítimos, mas a lei protege o cidadão, garantindo que questões mínimas sejam asseguradas para não prejudicar o direito à saúde”, afirmou.
“Infelizmente, a legislação continua pobre em relação a esses aspectos. Houve uma greve em 2013, e esperava-se que o país tivesse aprendido lições positivas, mas o que se vê é o contrário: o país enfrenta uma greve sem precedentes”, acrescentou.
Nhampossa reiterou que o Estado tem a obrigação legal de respeitar, promover, proteger e realizar o direito à saúde, por ser um direito humano que precisa ser garantido. Ele questiona até que ponto, no contexto da crise actual, o Estado está respeitando esse direito ao deixar os profissionais de saúde em condições de trabalho deficientes.
Em sua opinião, a falta de condições de trabalho nas Unidades Sanitárias revela uma certa irresponsabilidade e desrespeito ao direito à saúde, uma vez que o Estado não cumpre seu dever e não protege, promove, respeita ou realiza esse direito.
“Somente com a falta de condições de trabalho, o Estado acaba violando seus quatro deveres, pois não há medicamentos suficientes e de qualidade nos hospitais. Não entendo por que, em uma greve dessa magnitude, não há processos judiciais por parte da APSUSM, AMM e de outras Organizações da Sociedade Civil. Não temos moçambicanos unidos na defesa dos direitos à saúde”, lamentou.
Ele reconhece que a via diplomática, como o diálogo, tem sido privilegiada, mas ressalta que essa abordagem não tem surtido o efeito desejado, o que, para ele, significa que o Estado não está preocupado e não se intimida com a greve.
Nesse contexto, sugere que se recorra à via judicial para responsabilizar o Estado, o Governo do Dia, pelas mortes causadas pela crise originada pelo próprio Governo.
Por outro lado, em relação ao Orçamento do Estado alocado à área da saúde, Nhampossa enfatizou a necessidade de avaliar como esse orçamento é definido, aplicado e até que ponto reflete a prioridade do sector da saúde em Moçambique, considerando o orçamento disponível para a realização do direito à saúde.
“Há muitos recursos destinados à área da segurança em detrimento da saúde. E, embora haja muitos recursos para a segurança, ainda assim não estamos seguros. É preciso que comecemos a refletir, como cidadãos ativos que participam na vida do Estado, por que temos um orçamento pequeno para a saúde e se, mesmo pequeno, não há transparência na sua gestão. Será que o Estado é capaz de fornecer dados claros sobre como utilizou o orçamento nos últimos dois a três anos?”, questionou.