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Sociedade

O País Onde Roubar Se Tornou Um Direito

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A normalização da corrupção em Moçambique condena gerações inteiras à miséria e à descrença.

Por: Waka Afrika

“Ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética”, dizia Che Guevara. Em Moçambique, esta frase soa hoje como um grito de socorro que poucos parecem ouvir. A corrupção deixou de ser exceção para se tornar a regra do nosso convívio social. Vivemos numa comunidade de boladas, onde as nhongas e os esquemas se tornaram um vício colectivo — um cancro que já nem se disfarça. Ligamos a televisão, abrimos jornais, percorremos as redes sociais e somos violentados diariamente por notícias de escândalos, de má gestão nas empresas públicas, de desvios descarados de fundos em quase todos os sectores do Estado. Tudo isto acontece diante dos nossos olhos: as dívidas ocultas, as estradas prometidas que nunca são construídas, as casas de banho públicas que custam mais do que uma escola inteira.

Esta podridão alastra-se como uma epidemia silenciosa. E a juventude, que deveria ser a esperança da regeneração, aprende com este teatro de horrores a lição errada: que o sucesso se compra, que a ética é descartável, que a integridade é um luxo de tolos. Criamos gerações de especialistas na pequena e na grande corrupção, porque o exemplo vem de cima. O recente escândalo das Linhas Aéreas de Moçambique (LAM) é apenas a ponta do icebergue. João Matlombe, Ministro dos Transportes, rompeu o silêncio e denunciou pressões para travar a reestruturação da companhia, expondo uma cultura de sabotagem institucionalizada.

Esta vergonha remonta a 2024, quando a Fly Modern Ark (FMA), a empresa sul-africana que gere a LAM, revelou esquemas milionários de desvio de fundos: vendas através de pontos de venda (POS) clandestinos, recolhas de dinheiro em espécie, sobrefaturações gritantes. “Estamos a vender, mas o dinheiro não chega às contas da empresa”, denunciou Sérgio Matos, representante da FMA. Segundo as investigações, estarão em causa perdas de dois a três milhões de dólares, um rombo que o Ministério Público ainda tenta apurar, sem arguidos constituídos até à data.

Ontem, Daniel Chapo, presidente da FRELIMO, partido que governa Moçambique desde 1975, reconheceu publicamente a existência de conflitos de interesse dentro da companhia aérea nacional. Segundo Chapo, há pessoas na LAM a quem interessa manter o aluguer de aviões, pois beneficiam de comissões associadas a esses contratos. No seu discurso, o presidente da FRELIMO sugeriu ainda que pretende reestruturar a empresa. Esta declaração revela que a grande corrupção é do conhecimento até do mais alto órgão dirigente do país. Aliás, não só é do conhecimento – parece que se tornou uma forma de governação.

O Índice de Perceção da Corrupção da Transparency International de 2024 confirma o que já sabemos de cor: Moçambique ocupa o 142.º lugar entre 180 países. Não é apenas um número; é o espelho de uma nação descrente, onde o cidadão comum não espera justiça nem oportunidades justas. Como escreveu Norberto Bobbio, a corrupção é o preço da ausência de cidadania. E, aqui, esse preço é pago em vidas: vidas que seriam salvas por hospitais, escolas e infraestruturas que nunca se materializam.

Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da Economia, recorda que a corrupção é o imposto dos pobres. Em Moçambique, ela é mais do que isso: é uma máquina de fabricar miséria, de bloquear futuros, de fomentar a criminalidade e perpetuar a exclusão. Enquanto uns poucos acumulam fortunas obscenas, milhões são condenados a sobreviver nas margens do sistema.

A mudança é urgente — mas não virá dos rostos de sempre. Exige reformas profundas: justiça que funcione, transparência sem tréguas, proteção real a quem denuncia, educação cívica desde cedo e, sobretudo, intolerância ativa à corrupção. A sociedade civil não pode continuar refém do medo ou do cansaço: precisa de ocupar as praças do debate, de romper o silêncio, de reescrever o destino.

Aceitar a corrupção como fatalidade é condenar o futuro à morte lenta. Cada olhar que desvia, cada silêncio cúmplice, cada pequena cedência alimenta o monstro que nos corrói.

Che Guevara tinha razão: ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética. Em Moçambique, ser jovem e pactuar com a corrupção é mais do que uma contradição — é uma traição.

Minhas senhoras e meus senhores, a hora de agir é agora. Amanhã poderá já ser tarde demais.

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