Economia
Moçambique volta a endividar-se: dívida interna cresce 37 mil milhões de meticais em nove meses
A nova administração de Daniel Chapo herdou um Estado já sufocado pela dívida — e, em apenas nove meses, acrescentou mais 37 mil milhões de meticais à conta. O Balanço do Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE) 2025, referente ao terceiro trimestre, revela que o stock da dívida interna passou de 406.995,6 milhões de Meticais, em dezembro de 2024, para 444.076,8 milhões em setembro de 2025.
O Governo justifica o aumento com a necessidade de “financiar o défice de tesouraria” num contexto de congelamento do apoio orçamental por parte dos parceiros internacionais. Entre Janeiro e Setembro, o Executivo contraiu novos empréstimos no valor de 275.076 milhões de Meticais, dos quais 237.995 milhões já foram amortizados. A maior parte desses recursos veio de Bilhetes do Tesouro — instrumentos de dívida de curto prazo — que somaram 228.680 milhões, com 200.757 milhões pagos no mesmo período.
O ritmo do endividamento interno repete o padrão da era Nyusi, quando a dívida pública doméstica disparou em mais de 100% ao longo do quinquénio. Em 2024, o Tribunal Administrativo já havia alertado que o stockda dívida interna atingira 406.995 milhões de Meticais, composto por empréstimos ao Banco Central (16,4%), Bilhetes do Tesouro (32,4%) e Obrigações do Tesouro (44,6%).
O relatório sublinhou que o peso crescente da dívida interna está a pressionar o orçamento nacional, reduzindo o espaço fiscal para investimentos sociais e aumentando os custos de financiamento do Estado.
O cenário externo é ligeiramente mais favorável: a dívida pública externa registou uma redução de 12.282 milhões de Meticais, fixando-se em 624.266 milhões a 30 de Setembro, contra 636.548 milhões em Dezembro de 2024. Nos primeiros nove meses do ano, o Governo conseguiu contrair apenas 5.888 milhões de Meticais em novos empréstimos externos, tendo amortizado 18.342 milhões. Segundo o Executivo, o total de pagamentos da dívida externa atingiu 35.033 milhões de meticais, um aumento de 1,6% face ao período homólogo de 2024.
Apesar da ligeira descida, a trajectória da dívida externa continua marcada pelo impacto das chamadas “dívidas ocultas” — os empréstimos ilegais contraídos em 2013 e 2014 que resultaram na suspensão do apoio directo ao Orçamento do Estado. Desde então, Moçambique tem recorrido cada vez mais à banca e ao mercado interno para financiar as suas despesas.
Em termos globais, o país deve hoje mais de um bilião de meticais. A 30 de Setembro de 2025, o saldo acumulado da dívida pública atingia 1.068.343 milhões de meticais, dos quais 624.266 milhões correspondem à dívida externa — dominada pelos credores multilaterais, com 32,9% — e 444.076 milhões à dívida interna, com destaque para as Obrigações do Tesouro, que representam 14,8% do total.
Analistas financeiros alertam que o actual modelo de financiamento é insustentável. “O Governo está a trocar dívida externa por dívida interna, mas o efeito é o mesmo: o peso do serviço da dívida aumenta e o espaço para políticas públicas encolhe”, explicou um economista ouvido pelo NGANI. “Com a inflação ainda alta e a fraca recuperação económica, a dívida interna transforma-se num fardo invisível para os cidadãos, que acabam por pagá-la através de impostos e da perda de poder de compra.”
O aumento da dívida interna, portanto, não é apenas um dado técnico — é um sinal da fragilidade estrutural da economia e da falta de alternativas de financiamento. Num país onde o crédito público serve, muitas vezes, para cobrir défices correntes e não para investir em produtividade, a dívida cresce enquanto o crescimento estagna.
Com o apoio orçamental ainda suspenso e a confiança internacional longe de ser plenamente restaurada, Moçambique volta a caminhar num terreno conhecido: o da dívida que se multiplica mais depressa do que as soluções para a pagar.