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Economia

Gás do Rovuma: milhões desaparecem no caminho para o Fundo Soberano

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Ninguém sabe ao certo onde está todo o dinheiro do gás natural de Moçambique. Nos relatórios oficiais, o Governo assegura que cada dólar proveniente do Projecto Coral Sul, na bacia do Rovuma, está depositado na chamada Conta Transitória de Petróleo e Gás, aberta no Banco de Moçambique. Dela, 40% devem ir para o Fundo Soberano e 60% para o Orçamento do Estado. Mas, segundo o Tribunal Administrativo e dados do próprio Executivo, há milhões que nunca chegaram a essa conta.

O tema voltou a ganhar destaque no mais recente Balanço do Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE) 2025, onde o Governo reitera que, entre 2022 e setembro de 2025, arrecadou 232,33 milhões de dólares do consórcio liderado pela ENI, e que todo o montante está “devidamente depositado” na conta transitória. Contudo, as contas oficiais não coincidem — e é aí que começa a confusão.

O Tribunal Administrativo detectou inconsistências graves: parte do dinheiro, sobretudo entre 2022 e 2024, não foi canalizada para a conta indicada. Em 2022, por exemplo, 800 mil dólares cobrados pela Autoridade Tributária nunca chegaram à Conta Transitória. Em 2023, dos 73,36 milhões de dólares reportados, apenas 47,58 milhões foram depositados — um desvio de 25,78 milhões. E no primeiro trimestre de 2024, dos 20,08 milhões declarados, só 13,01 milhões apareceram na conta certa. Somando tudo, faltam 33,65 milhões de dólares que o Governo justifica como “despesas normais do Estado”, porque teriam sido cobrados antes da criação do Fundo Soberano.

“Não há desvio de qualquer valor”, garantiu a Primeira-Ministra, Benvinda Levi. “O dinheiro entrou na Conta Única do Tesouro e foi usado para pagar despesas públicas.” Mas para o Tribunal Administrativo, a explicação não convence: a lei é clara ao exigir a canalização de todas as receitas do petróleo e gás à Conta Transitória. E, pior, nem todas as guias de recolha foram apresentadas, dificultando a confirmação do destino do dinheiro.

As discrepâncias não param por aí. Em 2024, o Instituto Nacional de Petróleos (INP) reportou 91,3 milhões de dólares em receitas do gás natural. O Governo, por sua vez, declarou 85,52 milhões — menos 5,78 milhões. E na prática, apenas 78,4 milhões foram depositados na Conta Transitória. A diferença total, entre o que o regulador diz que foi pago e o que efetivamente entrou no Banco de Moçambique, é de 12,9 milhões de dólares.

A própria ENI, através da Mozambique Rovuma Venture, confirmou ter pago 33,6 milhões de dólares em impostos sobre produção entre 2022 e 2024. Porém, apenas 24,6 milhões aparecem nas contas do Estado. Os restantes 9 milhões simplesmente desapareceram — “sem guias de recolhimento”, segundo os auditores.

Essas incongruências alimentam dúvidas sobre a governação dos recursos naturais, justamente no momento em que o país deposita enormes expectativas nas receitas do gás para impulsionar o desenvolvimento. Para economistas e analistas de finanças públicas, o problema não é apenas contábil: é político e institucional.

 “O Governo quer convencer o país de que tudo está em ordem, mas os números dizem o contrário”, comenta um economista consultado pelo NGANI. “Estamos a ver os mesmos erros de sempre: falta de transparência, contradições oficiais e opacidade na gestão de recursos estratégicos.”

A insistência do Executivo em afirmar que “tudo está na Conta Transitória” entra em choque com os factos. E o mais preocupante é que, se o Estado não consegue rastrear com clareza algumas dezenas de milhões, como garantirá a gestão de milhares de milhões de dólares quando a exploração em grande escala arrancar?

Enquanto o Fundo Soberano de Moçambique é apresentado como símbolo de prudência e visão estratégica, as primeiras receitas do gás já carregam o estigma da desconfiança.

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