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Economia

Dívidas Ocultas: mais de 80% do património saqueado continua fora do alcance do Estado

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Mais de dez anos após o maior roubo institucional da história de Moçambique, os cofres do Estado continuam praticamente vazios. A justiça avançou nos tribunais, mas os milhões desviados continuam intocáveis. Apenas 15,6% dos activos foram recuperados. O resto, um oceano de bens, imóveis, carros de luxo, contas bancárias e negócios construídos com dinheiro sujo, permanece em mãos alheias.

Uma ferida aberta no coração da República

O tempo não curou. O escândalo das dívidas ocultas, que explodiu em 2016, mas começou em silêncio nos corredores do poder entre 2013 e 2014. É mais do que uma crise financeira: é um trauma nacional. São mais de dois mil milhões de dólares desviados em nome de um “projecto de proteção costeira” que nunca existiu. As promessas de embarcações pesqueiras, sistemas de defesa e soberania marítima desapareceram como espuma do mar. No lugar disso, vieram a fome, a desvalorização do metical, a suspensão de apoios internacionais e o descrédito total do Estado moçambicano.

E o que o país conseguiu recuperar de tudo isso? Segundo o relatório da Procuradoria-Geral da República de 2023, o total de bens apreendidos equivale a pouco mais de 614 milhões de meticais, uma ninharia, comparado aos milhares de milhões de dólares perdidos.

O que foi recuperado? Muito pouco

O relatório da PGR é duro, quase humilhante. Revela que:

  • Foram apreendidos apenas 19 imóveis, entre eles um hotel em Tete;
  • 81 viaturas e 14 motorizadas;
  • 4 embarcações;
  • E dinheiro em contas bancárias equivalente a 614 milhões de meticais.

Esse conjunto representa 15,6% do total de activos que, segundo as investigações, foram adquiridos com os fundos desviados. Em outras palavras: mais de 80% do património saqueado continua fora do alcance do Estado.

O resto? Está lá fora. Em contas protegidas por offshores. Em empresas fictícias registadas em paraísos fiscais. Em mansões discretas, espalhadas por Lisboa, Dubai, Joanesburgo, Londres. Em iates e obras de arte. Numa rede transnacional de corrupção que zombou da soberania de um país inteiro.

O GCRA, uma gota no oceano

Para enfrentar essa teia criminosa, o Estado criou, em 2020, o Gabinete Central de Recuperação de Activos (GCRA). Com poucos recursos e cercado por desafios legais e diplomáticos, o GCRA já recuperou cerca de 5 mil milhões de meticais provenientes de vários crimes económicos. Mas no que diz respeito às dívidas ocultas, os números ainda são ridiculamente baixos.

“A maior parte do património ligado às dívidas ocultas continua a escapar ao controlo do Estado”, reconhece o relatório da PGR.

Justiça feita pela metade

O julgamento que terminou em 2022 com a condenação de figuras centrais, como o ex-director do SISE, Gregório Leão, e o filho do ex-presidente da República, Ndambi Guebuza, deu algum alívio à opinião pública. Mas foi apenas uma parte da verdade.

Fora do alcance da justiça moçambicana continuam nomes relevantes, como Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, que passou anos detido na África do Sul enquanto se discutia se seria extraditado para Moçambique ou para os Estados Unidos. A escolha moçambicana venceu, mas ainda hoje o povo duvida se essa vitória foi da justiça ou da conveniência.

O custo real: um povo abandonado

A corrupção não é abstrata. Ela custa vidas. Ela se traduz em:

  • Hospitais sem medicamentos;
  • Crianças sem professores ou carteiras para estudar;
  • Estradas intransitáveis;
  • Camponeses abandonados;
  • Salários em atraso;
  • Jovens sem oportunidades.

A dívida pública, inflada por garantias ilegais, tornou-se impagável. O FMI e os parceiros de cooperação suspenderam o apoio. O país perdeu credibilidade. E o povo perdeu o que tinha de mais valioso: a esperança. (NGANI)

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