Economia
Governo admite desvio de 33,6 milhões do gás

O Governo moçambicano reconheceu oficialmente, perante o Tribunal Administrativo (TA), o uso indevido de 33,65 milhões de dólares provenientes das receitas do gás natural, valor que, por lei, deveria ter sido canalizado ao Fundo Soberano de Moçambique (FSM).
A informação foi avançada pelo Semanário Evidências na sua edição de terça-feira (21), que cita a resposta do Executivo ao Relatório e Parecer sobre a Conta Geral do Estado (CGE) de 2024.
A confissão põe fim a dois anos de negação e confirma uma violação deliberada das normas de gestão financeira pública, segundo o jornal. De acordo com o TA, o Governo recorreu de forma irregular a Bilhetes e Títulos do Tesouro e utilizou indevidamente fundos de reserva do Banco de Moçambique, práticas que agravaram a crise de liquidez e expuseram o desequilíbrio das contas públicas.
Entre 2022 e 2024, a empresa Mozambique Rovuma Venture pagou 33,6 milhões de dólares em Imposto sobre a Produção de Petróleo à Autoridade Tributária (AT). Contudo, em vez de serem depositados na conta transitória do Fundo Soberano, os valores foram transferidos para a Conta Única do Tesouro (CUT) e utilizados no financiamento de despesas correntes do Orçamento Geral do Estado (OGE).
Críticas da sociedade civil
A revelação coincidiu com críticas do Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), que acusou o Executivo de aprovar a nova Política de Investimentos do FSM sem incorporar as contribuições da sociedade civil, conforme o processo de auscultação pública previsto.
Em comunicado divulgado pela agência Lusa, o FMO considera que o episódio “levanta sérias preocupações sobre a transparência e a efectividade do processo participativo”, sublinhando que a aprovação do documento sem a integração das propostas da sociedade civil fragiliza o princípio de governação inclusiva e põe em causa a confiança pública nos mecanismos de consulta.
O grupo revelou que o Ministério das Finanças convidou as organizações da sociedade civil para uma sessão de auscultação no dia 7 de Outubro, com a entrega do parecer técnico prevista para 15 de Outubro. No entanto, a nova política foi aprovada antes da submissão das contribuições, durante a 36.ª sessão do Conselho de Ministros, a 14 de Outubro.
“O FMO reafirma a importância de garantir processos participativos genuínos e transparentes, onde as contribuições das organizações da sociedade civil sejam integradas na formulação e aprovação das políticas públicas”, lê-se no comunicado.
O parecer técnico do Fórum alerta para “pontos críticos que merecem atenção especial”, recomendando medidas que reforcem a transparência, a robustez e a sustentabilidade da gestão dos recursos do Fundo Soberano, para que este contribua de forma efetiva para o desenvolvimento económico e social de Moçambique.
Fundo estratégico e receitas em crescimento

A nova Política de Investimentos do Fundo Soberano de Moçambique, aprovada a 10 de Dezembro de 2024, define as directrizes para a gestão de activos a longo prazo, os critérios de valorização da carteira de investimentos e os países e moedas elegíveis para aplicação de receitas provenientes da exploração de gás natural liquefeito (GNL).
Segundo dados recentes do Ministério das Finanças, Moçambique arrecadou 210 milhões de dólares (cerca de 13,2 mil milhões de meticais) em receitas da exploração de petróleo e gás até Junho de 2025. Deste montante, 164,6 milhões de dólares correspondem a receitas de 2024 e 45,2 milhões de dólares ao primeiro semestre de 2025.
Os valores, segundo o Governo, foram depositados na conta transitória do Banco de Moçambique, conforme determina a Lei n.º 1/2024, de 9 de Janeiro, que criou o Fundo Soberano.
O Parlamento aprovou a criação do FSM a 15 de Dezembro de 2023, estabelecendo que as receitas do gás natural servirão para financiar o desenvolvimento sustentável e garantir poupanças intergeracionais. Estimativas oficiais indicam que, na década de 2040, o país poderá arrecadar até seis mil milhões de dólares por ano em receitas provenientes deste sector.
Apesar do potencial económico, o recente reconhecimento do desvio e as críticas à falta de transparência reforçam as preocupações sobre a governação dos recursos naturais — um dos temas mais sensíveis da economia moçambicana contemporânea.