Política
Criminosos forçam aterragem do jornalista-aviador João Chamusse
“Muitos ficam intrigados pelo chumbo que os eleitores atribuíram ao partido Frelimo nas eleições de Outubro passado, em locais que tradicionalmente gozava de simpatia, no entanto, olhando para aquilo que acontece nos últimos tempos, a governação dos camaradas tem merecido muita contestação popular em diversos domínios. Ninguém no seu perfeito juízo poderia imaginar que um dia fosse bastante perigoso trajar vestes com símbolos do partido Frelimo em cidades como Maputo, Matola, Matola-Rio, Marracuene, entre outros locais que até bem pouco tempo eram tidos como baluarte do partido do batuque e maçaroca. Tudo isso esfumou-se. Quem cometer semelhante atrevimento arrisca-se a ser chamado de “Muyive” – ladrão – pela multidão”.
Assim iniciava o primeiro parágrafo do penúltimo “Bote do Milhafre” do jornal Ponto Por Ponto, assinado por João Chamusse, jornalista assassinado na última quinta-feira em sua residência, em Maputo. A sua capacidade de escrever e dizer as coisas de forma simples, para que todos entendam, fez com que nos últimos tempos se transformasse num comentador “fenómeno” na TV Sucesso.
Mas tudo terminou quando na madrugada daquele fatídico dia 14 de Dezembro, uma pancada na nuca retirou do panorama da imprensa nacional um jornalista com mais de 20 anos de carreira, cuja característica era de uma abordagem crítica, irónica e, por vezes, cómica, sobretudo em temas de política interna.
Dezenas de vídeos dos seus comentários circulam pelas redes sociais, em que num deles questiona a soberania de um país cujos cidadãos vestem biquínis de segunda mão importados da Coreia do Sul. “O país não pode vestir roupa de segunda mão. Até tem roupa interior. Isto é uma humilhação. Quando alguém fala de soberania, eu penso que a melhor soberania está no biquíni. Que soberania tens a usar biquíni da Coreia do Sul ”, questionava indignado, o jornalista que também já foi artista plástico.
Num outro vídeo que igualmente ficou viral, Chamusse sugere que a cura para a Tabela Salarial Única é o afastamento total de toda a elite governativa que os apelida de velhos, que “não sabem as matemáticas” e substituir por rapazes vindo da universidade que “estão por aí a chutar latas”. Sobre a noite eleitoral ainda em curso, Chamusse se mostrou indignação com o pleito em 1999, nas gerais que deram vitória ao então presidente Joaquim Chissano, isto porque venceu apenas no sul do país.
Chamusse dizia que a última dez que votou foi nessa altura, porque achou sem sentido o vencedor ser na verdade o perdedor, comentou o director editorial do Jornal Ponto por Ponto. Recentemente um seu comentário ficou viral ao dizer que o país não está bom porque os jovens nem namoram, muito menos enchem os jardins como é de se esperar. “As pessoas querem comer. Um país bom, você vê jovens nos jardins a namorar, a dar-se flores. Aqui não há isso. Só bebem e vão a cama e todo o resto (…)”, anotava o piloto comercial de formação, pela Escola Aeronáutica de Lisboa.
Comité norte-americano para a Proteção dos Jornalistas apela à investigação minuciosa
O Comité norte-americano para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) apela às autoridades moçambicanas que investiguem minuciosamente as causas e circunstâncias da morte do jornalista moçambicano, João Chamusse, e que os possíveis autores do crime sejam responsabilizados.
“O CPJ está profundamente consternado com o assassinato do destacado jornalista moçambicano João Chamusse, e endereçamos as nossas condolências à sua família, amigos e colegas. As autoridades moçambicanas devem investigar de forma urgente e credível o assassinato de Chamusse e o seu motivo, e garantir que os responsáveis sejam responsabilizados” disse o representante do CPJ para a África Subsariana, Muthoki Mumo a partir de Nairobi.
Anteriormente, Chamusse foi co-fundador do semanário Canal de Moçambique e trabalhou como repórter no jornal Metical, editado pelo jornalista Carlos Cardoso, que foi assassinado pelo seu jornalismo em 2000, recorda o CPJ. O Instituto para a Comunicação Social da África Austral – (Misa Moçambique), uma organização não-governamental de defesa da liberdade de imprensa, convocou uma marcha pacífica para segunda-feira, uma caminhada que vai culminar com a submissão, na Procuradoria-Geral de Moçambique, de uma petição contra a “impunidade de crimes contra jornalistas em Moçambique”.
O Sindicato Nacional de Jornalistas e o Conselho Superior da Comunicação Social de Moçambique lamentaram a morte de Chamusse, este último apelando às autoridades para uma investigação profunda para o esclarecimento do caso.
Um suspeito detido
A Polícia da República de Moçambique (PRM) deteve um cidadão suspeito de ter assassinado, na quinta-feira, o jornalista moçambicano e comentador televisivo João Chamusse. “O suspeito foi detido por volta das 16:00, como resultado de uma ordem da Procuradoria-Geral da República (PGR)”, afirmou Juarce Martins, porta-voz do comando provincial da PRM na província de Maputo.
Segundo a PRM, os vestígios encontrados no local do crime apontam para o envolvimento do indivíduo detido, de 44 anos e que era um vizinho de João Chamusse. “ O suspeito deverá ser apresentado a um juiz a qualquer momento”, acrescentou Juarce Martins, avançando que alguns pertences do jornalista foram encontrados na posse do suspeito. Novos desenvolvimentos em torno do assunto indicam que foram encontradas armas brancas, uma catana e uma enxada, onde tinha sido encontrado o corpo do malogrado.