Sociedade
Os efeitos colaterais dos contraceptivos que ninguém quer discutir

Contraceptivos estão a destruir, lenta e silenciosamente, a saúde de milhares de mulheres em Nampula. Sangramentos intermináveis. Dores incapacitantes. Depressão. Corpos que gritam por socorro. Mas as autoridades do sector da saúde fingem que não vê. E o silêncio é mais mortal do que se imagina.
Desde que Moçambique oficializou o acesso a métodos contraceptivos no Sistema Nacional de Saúde, em 1980, muitos passos foram dados em direcção a uma sociedade com maior consciência reprodutiva. As campanhas multiplicaram-se, os postos de saúde começaram a distribuir pílulas, injectáveis e implantes, e mulheres de diferentes idades passaram a fazer parte de uma nova narrativa onde o planeamento familiar era visto como sinónimo de liberdade.
No entanto, por trás dessa narrativa oficial, há uma realidade que não costuma ganhar espaço em relatórios e manuais de Saúde Pública. Trata-se da experiência de milhares de mulheres que, mesmo seguindo todas as orientações, acabam por sofrer efeitos colaterais graves: perder filhos desejados (ou indesejados), ver os seus corpos transformarem-se sem explicação, os seus relaciona mentos a desintegrarem-se e a sua saúde emocional a entrar em colapso. Nos bairros periféricos de Nampula, como Natikiri, Mutauanha e Piloto, histórias assim são contadas em tom baixo, quase como segredos partilhados entre amigas no quintal, ou nos corredores dos hospitais onde a espera por atendimento parece não ter fim.
O pesadelo invisível de Maria
Maria Carla, 29 anos, viveu um verdadeiro pesadelo. Ela usava a pílula anticoncepcional havia dois anos e acreditava estar a fazer tudo certo. “Tomava sempre à mesma hora, nunca me esquecia. Quando comecei a sentir fraqueza e dores abdominais, fui ao hospital. Disseram que era malária e mandaram-me para casa com comprimidos.” Mas os sintomas não passaram. Certa manhã, depois de uma noite de dores insuportáveis, Maria desmaiou. Foi levada às pressas para o hospital, onde os médicos descobriram que estava grávida e numa fase já avançada.
Ela sofreu um aborto. O choque foi devastador. “Nunca imaginei que estivesse grávida. Eu tomava a pílula direitinho. Senti–me traída pelo meu próprio corpo e pelo sistema de saúde. Até hoje, não sei o que aconteceu”, conta, com a voz a falhar, enquanto segura uma foto antiga de si mesma – sorridente, antes da dor.
Muaziza Amisse, de 33 anos, é uma mulher resiliente. Mãe de três filhos, decidiu recorrer ao planeamento familiar para cuidar melhor de si e da sua família. Ela começou com a pílula, mas sentiu-se incomodada com a frequência de ingestão. Foi-lhe então recomendado o injectável DEPO-Provera. Mas os meses seguintes foram um tormento. A menstruação tornou-se imprevisível e, às vezes, ausente durante semanas, outras vezes presente em intervalos de três ou quatro dias. “O meu marido começou a descon fiar de mim. Dizia que eu escondia algo, que estava a fazer feitiçaria. Brigávamos muito. A nossa relação quase acabou por causa disso.” Muaziza sentia-se estranha no próprio corpo. “Era como se eu estivesse num barco à deriva, sem rumo. Cada dia era uma incógnita: sangrava, depois parava, depois voltava com mais força.” Apesar de tentar outros métodos, o ciclo de efeitos colaterais não se quebrou. O que deveria ser uma solução transformou–se num problema constante.
O implante que não deixa viver
Para a jovem Anabela Beatriz, de apenas 19 anos, o desejo de evitar uma gravidez precoce levou-a a es colher o injectável. Mas, em poucos meses, o seu corpo começou a mudar de forma inesperada. “Sempre fui activa, fazia desporto, ajudava em casa… De repente, comecei a engordar muito, sentia dores nas pernas, falta de ar. Agora, nem consigo correr direito.”
O aumento de peso trouxe não só problemas físicos, mas também emocionais. Anabela já não se reconhecia diante do espelho. “Sinto-me como se estivesse a viver no corpo de outra pessoa. Fico triste, com raiva. Mas tenho medo de trocar de método e engravidar.”
Mesmo com aconselhamento para experimentar outro contraceptivo, Anabela recusou. Tinha ouvido histórias de outras jovens que engravidaram usando pílulas. “Prefiro este sofrimento a enfrentar algo pior”, resume, com um sorriso amarelo.
Felizarda Francisco decidiu colocar o implante. A promessa de eficácia a longo prazo pareceu a melhor opção. Mas desde o procedimento, há nove meses, não teve mais paz. “A menstruação nunca parou. Todos os dias, manchas de sangue, dores, cólicas. Não consigo trabalhar, não consigo sair com confiança. Sinto que estou sempre suja.”
Tentou retirar o implante. Mas no centro de saúde disseram-lhe que teria de esperar dois anos. “Deram–me comprimidos para tentar controlar o sangramento, mas não funcionou. Estou a viver num ciclo de dor e cansaço.”
A mãe de outra jovem, que também sofreu com o implante, contou à reportagem que precisou pagar 500 meticais para que retirassem o dispositivo. “A minha filha estava desesperada. Chorava de dor. Eu não tinha aquele dinheiro, mas tive de pedir emprestado. Senão, ela continuava a sofrer.”
Quando o sistema falha, quem paga é o corpo
A enfermeira Benilde Rosário confirma que nem de humor, entre outros. Mas também é verdade que, se bem utilizados e acompanhados, esses métodos salvam vidas.” todos os organismos reagem da mesma forma aos métodos contraceptivos. “É verdade que há efeitos colaterais: sangramentos fora do período, náuseas, dores de cabeça, alterações.
Segundo Benilde, os anticoncepcionais ajudam a reduzir em até 80% o risco de cancro do ovário e em 60% o risco de cancro do útero. “O problema está na falta de acompanhamento. Muitas mulheres recebem o método e vão para casa, sem retorno, sem avaliação.
E os centros de saúde, sobrecarregados, não têm como garantir esse acompanhamento personalizado.” Nas comunidades, o silêncio continua a ser o elo comum. Mulheres que sofrem em silêncio, que têm vergonha de reclamar, medo de serem julgadas ou de não serem levadas a sé rio.
O sistema prescreve sem explicar, orienta sem acompanhar, protege contra uma gravidez indesejada – mas não protege contra o medo, a solidão e o trauma. Nampula, com sua juventude efervescente e uma das maiores taxas de fecundidade do país, continua a ser também o palco de uma tragédia não contada. (REDAÇÃO)