Economia
Quem fiscaliza o Banco De Moçambique?

− Governo quer restringir poderes do Tribunal Administrativo na fiscalização de contas públicas
O Conselho de Ministros aprovou, na 38ª Sessão Ordinária, a proposta de revisão da Lei nº 14/2014 de 14 de Agosto, que aprova a Organização, Funcionamento e Processo da Secção de Contas Públicas do Tribunal Administrativo. No essencial, a revisão propunha a retirada das competências do Tribunal Administrativo (TA) para a fiscalização das contas de empresas públicas e do Banco de Moçambique e a descentralização de competências do Tribunal Administrativo aos tribunais administrativos províncias e da Cidade de Maputo para a fiscalização das contas públicas a nível das províncias.
De acordo com a Nota n.o16 /SGAR-CPOI2024, que trata do aditamento ao Parecer n° 02/2024, de 19 de Fevereiro, sobre a revisão da mencionada Lei, a Assembleia da República (Comissão de Planos e Orçamento – CPO) refere que as medidas inicialmente propostas, nomeadamente a retirada da supervisão das empresas públicas e a descentralização de competências para as províncias, não estão alinhadas com as boas práticas internacionais. Portanto, a CPO propôs a manutenção da fiscalização pelo TA das empresas públicas e a devolução das competências de fiscalização das contas das províncias ao TA a nível central.
No entanto, a CPO entende que o TA deverá fiscalizar apenas o Banco de Moçambique enquanto gestor do Fundo Soberano, conforme se lê na alínea i) do artigo 80 da Nota n.o16 /SGAR-CPOI2024.1 A alínea i) do artigo 80, proposta, apresenta problemas significativos por duas razões: Em primeiro lugar, a fiscalização ao Banco de Moçambique enquadra-se no papel do TA de supervisionar os fundos públicos, conforme estabelecido no artigo 229 da Constituição da República de Moçambique. Portanto, a reforma proposta implica que a fiscalização ao Banco de Moçambique limitar-se-á à gestão do Fundo Soberano e não abrangerá outras actividades realizadas pelo Banco. Em segundo lugar, a proposta da CPO sugere que, teoricamente, caso haja uma mudança no gestor do Fundo Soberano, o Banco de Moçambique, uma instituição pública, ficaria fora do escopo da fiscalização do TA.
A proposta da exclusão do Banco de Moçambique da fiscalização pelo TA é manifestamente inconstitucional e problemática, uma vez que a fiscalização pelo TA é crucial para garantir que o Banco opere em conformidade com as leis e regulamentos estabelecidos, a fim de se prevenir a corrupção e os abusos de poder.
É importante recordar que o Banco de Moçambique é uma instituição cuja conduta demonstra falta de transparência. Pode-se citar o papel que o mesmo desempenhou na contratação das dívidas ocultas, como também, pelo papel conflituoso que prestou no resgate do Moza Banco.
Para a contratação das dívidas ocultas da EMATUM e ProIndicus, o Banco Credit Suisse exigiu a autorização do Banco de Moçambique. Apesar da ilegalidade, em 2013, o Banco de Moçambique, assinou a autorização da contratação da dívida.2 E no âmbito do resgate do Moza Banco, em 2017, o Banco de Moçambique prestou o papel de árbitro e jogador em simultâneo ao determinar que a Kuhanha, fundo de pensões do Banco de Moçambique, onde o Governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela, exerce o cargo de Presidente do Conselho de Administração, detivesse 80% das acções do Moza Banco. Assim, o Banco de Moçambique, além de ser o regulador do sistema financeiro moçambicano passou a ser também actor do mercado financeiro, detentor do banco comercial Moza Banco. Segundo o Governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela, explicou na altura da decisão de aquisição do Moza Banco pela Kuhanha, que esta foi tomada num contexto de crise e que maior parte dos bancos comerciais apresentavam dificuldades de liquidez.3 Contudo, a ser verdade, a bem da transparência, a Kuhanha deveria desfazer-se do Moza Banco após a crise, dado que o objectivo último da intervenção era de salvar o Moza Banco e não o de tornar a Kuhanha dona de um banco comercial.
Por Gift Essinalo – Centro de Integridade Pública