Opinião
A Ignorância do Pseudo-Intelectual Felisberto Botão (2)

Continuamos a explicar, nesta edição, as origens do tema que abordamos na Edição anterior sobre as origens do Colonialismo.
Assim, esvaziados de ideias e incapazes de formularem mitos mobilizadores, mimeticamente os esquerdistas lusos tomavam por exemplo inspirador a esquerda francesa. Oliveira Martins, figura incontornável da cultura e política nacional no século XIX, introdutor do ideário socialista em Portugal, perspectivava a exploração ultramarina como a possibilidade de garantir as riquezas necessárias ao desenvolvimento da Metrópole, assumindo a questão Colonial como um imperativo geopolítico e geoestratégico. Para o pioneiro do socialismo português, a afirmação da soberania de Portugal em África assegurava ao nosso país um respeitável lugar no concerto das nações. E Moçambique foi um dos países onde os portugueses estiveram, além de outros ex-Estados Ultramarinos.
À margem das suas obras políticas, Oliveira Martins desenvolveu um amplo estudo antropológico, textos que hoje são facilmente categorizados como um conjunto de “teses racistas”, onde abundavam considerações sobre a inferioridade racial dos povos africanos, apreciações que levaram o pensador socialista — mas não menos colonialista — António Sérgio a escrever: “Em última instância, a concepção de Martins é sempre biológica, naturalista, rácica” (António Sérgio, “Obras Completas / Ensaios”, tomo V, Livraria Sá da Costa, 1973).
Durante a vigência da Primeira República percebemos sem dificuldade que a doutrina Colonialista animava outras tantas figuras históricas da Esquerda portuguesa, movidas pelo espírito messiânico de civilizar os povos indígenas ditos africanos (ou negros) que, de acordo com essa intelectualidade, encontravam-se mergulhados num estádio primitivo de desenvolvimento e incapazes de se auto-governarem, aos quais era imperioso levar o progresso económico, político e cultural. Estamos, pois, perante um princípio universalista do progresso, cujo cariz evidentemente preconceituoso se manifesta na equação entre Colono, enquanto símbolo de desenvolvimento humano, e Colonizado, como ser primitivo a domesticar e a ensinar. Não fique escandalizado com a linguagem que utilizamos. Há que encará-la com realismo e como facto consumado, quer queiramos, quer não.
Após o 28 de Maio de 1926 e a ascensão de Salazar à Presidência do Conselho, em 1932, pese embora a mitologia oposicionista ditar o contrário, no que se refere à ideologia Colonial Portuguesa não é possível distinguir orientações distintas entre a oposição e o regime durante os primeiros decénios do Estado Novo. A chamada oposição democrática, aglutinadora das mais distintas tendências políticas, foi até aos anos 60 manifestamente promotora dos ideais colonialistas.
Muitos intelectuais portugueses da oposição democrática tais como Cunha Leal, veterano político republicano, o historiador Jaime Cortesão, o pedagogo António Sérgio e outros, concebiam o progresso de Portugal alicerçado pela manutenção das colónias. António Sérgio, paladino do chamado socialismo democrático, afirmava: “Somos um país colonial e creio que devemos continuar a sê-lo; fomos um país de navegantes, de inovadores, de cosmopolitas, e creio que devemos continuar a sê-lo; simplesmente, se não estou em erro, para podermos sê-lo de maneira plena releva primeiro organizar a sério os nossos alicerces metropolitanos (…). Digamos que Portugal é uma casa-mãe de sucursais espalhadas pelo Mundo inteiro. Posto isto, qual é a ideia que eu quis propor? A de que a casa-mãe deverá ser sólida, e um centro de trabalho e de criação pujante, para que resulte proveitoso e assegurado o organismo formado pelas sucursais” (António Sérgio, “Notas de política / Ensaios”, tomo III, 1932).
Aquilo que à partida pode afigurar-se como uma flagrante contradição no discurso da Esquerda, pelo contrário, revela estar em perfeita conformidade com as ideias da esquerda portuguesa, forjada que foi pela conjugação da influência das correntes de pensamento iluministas e humanistas, além de óbvios interesses economicistas, que justificaram a Colonização como resultado de um inevitável processo natural, essencial para a evolução dos povos. Inebriada pela crença na sua superioridade ideológica, assente na ciência e na vitória sobre a superstição, a Esquerda encarou o Colonialismo como uma missão civilizadora que visava elevar os habitantes dos territórios coloniais, os quais eram vistos como incapazes de controlar os seus próprios destinos e de alcançarem o grande mito mobilizador de sempre do esquerdismo, o progresso. E este factor aplicava-se a Moçambique (e não só!)
O Partido Comunista
Português e a Questão Colonial
Na extrema-esquerda do panorama político luso, o Partido Comunista Português manifestou um anticolonialismo muito tardio e, em boa medida, condicionado pela orientação geopolítica da URSS. Ainda antes do eclodir da II Guerra Mundial, o PCP publicava no “Avante!” um conjunto de artigos denunciando a “cobiça alemã” sobre as colónias portuguesas. No artigo “Angola já é alemã?” (Jornal “Avante!” nº 58, Novembro de 1937), os comunistas insurgem-se contra a “política de traição nacional do fascismo”, entenda-se, do Estado Novo, o qual estaria a permitir amplas concessões de café e sisal a interesses alemães. Denunciava o autor do artigo que “estes piratas não se limitam a explorar-nos economicamente: Têm todo o aparelho montado para a rapina desta província no momento oportuno”.
Semanas depois, o “Avante!” voltava a criticar a política portuguesa nestes termos: “Não é abrindo de par-em-par as portas de Portugal e das Colónias ao capital, à propaganda e à Polícia Secreta da Alemanha que se pode pôr Portugal e as colónias a coberto da cobiça alemã” (Jornal “Avante!” nº 62, Dezembro de 1937). Ainda no mesmo mês, o órgão oficial do PCP publicava um artigo intitulado “A Alemanha, eis o inimigo!” (Jornal “Avante!” nº 65, Dezembro de 1937), onde, num tom crispado, alerta para “o perigo da perda das Colónias”. Passados alguns meses, os Comunistas acusavam o regime de Salazar de entregar “territórios nacionais ao estrangeiro, o que no nosso caso está duramente demonstrado com a entrega de Angola aos alemães” (Jornal “Avante!” nº 78, Abril de 1938).
(Continua na Próxima Semana)
Por: Afonso Almeida Brandão