Opinião
Respeitável general Momade, arrume as botas e saia…

Dizem que em política é mais nobre sair pela porta da frente do que ser corrido pela janela dos fundos. Mas há sempre aqueles que, agarrados ao trono como se fosse o último saco de arroz de 25 quilos na mercearia de um nigeriano em época de manifestações, insistem em arrastar consigo as últimas tábuas do barco a naufragar. É o caso de Ossufo Momade — o líder de um partido outrora símbolo da resistência armada, hoje encurralado por uma resistência civil, desmobilizada, mas indignada, que ocupa a sede da RENAMO em Maputo exigindo apenas uma coisa: a sua demissão.
Talvez Ossufo ainda não tenha compreendido que liderar é mais do que vestir o camuflado em tempos de paz ou repetir discursos sobre a paz em tempos de crise. Liderar, caro senhor, é dar a cara, é ouvir os seus, é saber sair quando já não se é parte da solução. É evitar, por exemplo, que ex-combatentes — gente que vive com balas no corpo como troféus da história — acampem à sua porta clamando por dignidade. Gente que sofreu na mata, sonhou com um país livre e se vê agora traída por quem deveria continuar essa luta dentro das instituições democráticas.
A história da RENAMO, por mais controversa que seja, tem heróis. Homens e mulheres que deram o corpo ao manifesto, literalmente. Que lutaram, de forma certa ou errada, por uma ideia — a mesma que os trouxe para o seio da vida política, para os acordos de paz, para a Assembleia da República, para as autarquias. O que é trágico — e por isso digno desta crónica do absurdo — é ver esse legado a ser desfeito por um homem que não soube ler os sinais do tempo.
Ossufo Momade, “general de cinco estrelas que abriu a frente de Nampula sozinho”, preferiu os salões refrigerados do poder à lama das bases. Ignorou os seus combatentes. Cancelou promessas. Assistiu à derrocada eleitoral com um sorriso vazio e um discurso reciclado. De 60 assentos parlamentares para apenas 28. Uma queda livre. Como um paraquedista que salta de um avião e só percebe que o paraquedas está furado depois de gritar “viva a vitória!”
E agora, a RENAMO perdeu o posto de maior partido da oposição para o Podemos. Podemos! Um partido recém-nascido, que até há pouco mais de uma década era uma nota de rodapé nos boletins de voto, hoje é a nova casa de muitos órfãos da esperança política. Porque política, no fim das contas, é esperança. É isso que os guerrilheiros exigem: não são apenas salários, nem mordomias. É respeito. É coerência. É memória.
Mas não, o presidente da RENAMO prefere o silêncio. Um silêncio tão ensurdecedor que nem os tiros das antigas batalhas abafam. Os seus antigos irmãos de armas estão à porta, dormem em tendas improvisadas, bebem o pouco que conseguem, suam o muito que resta. E ele, fechado, mudo. Ignora-os, como quem ignora a dívida histórica que carrega.
Talvez esteja à espera que o tempo resolva. Que o desânimo dissolva o protesto. Que a polícia os remova. Mas há coisas que nem o tempo, nem a força resolvem. Há cicatrizes políticas que só se fecham com a humildade da renúncia. Só se curam com um gesto nobre: a saída.
Sim, porque continuar no cargo quando já não se tem o partido consigo é o equivalente a usar um fato e gravata em pleno deserto de Sahara e dizer que está frio. É desconexão total da realidade. É zombar de quem o elegeu. É um insulto ao próprio Dhlakama — que, goste-se ou não, morreu com o respeito de muitos, inclusive dos seus adversários.
João Machava, um dos rostos do protesto actual, diz sem rodeios: “Nós não saímos daqui antes que ele saia”. E quando um ex-guerrilheiro diz isso com serenidade, é melhor escutar. Eles sabem esperar. Esperaram pela paz. Esperaram pelas promessas. Esperaram por dias melhores. Agora, esperam pela saída de um homem que transformou a RENAMO num projecto pessoal, incapaz de galvanizar os desiludidos ou reconquistar os votos perdidos. E não, não estão armados. São civis. São desmobilizados. São gente que decidiu apostar na via pacífica. Mas cuidado! A paciência tem limite. E o absurdo maior seria ver este protesto degenerar por causa de uma teimosia. A RENAMO, pela sua história, não pode ser deixada à mercê de caprichos.
A verdade é dura, mas precisa ser dita: Ossufo Momade falhou. Falhou na gestão do partido. Falhou na escuta activa dos seus. Falhou nas eleições. Falhou na narrativa. E falhou até no silêncio — porque há silêncios que gritam incompetência.
Mas ainda vai a tempo de um último gesto digno. Ainda pode sair com alguma honra, entregar o bastão, permitir um Congresso livre, plural, onde os militantes — e não os interesses — decidam o futuro. A RENAMO precisa de uma refundação. Precisa de uma liderança visionária, próxima das bases, comprometida com causas e não com negócios. Uma liderança que não seja apenas contra a Frelimo, mas a favor de Moçambique.
O problema, caro leitor, é que estamos em Moçambique. E neste país, os líderes agarram-se ao poder com mais força do que uma criança a um doce. Mesmo que o doce já esteja no chão, sujo, pisado, e cheio de formigas. Mesmo que todos digam: “Larga!”. Eles não largam. Preferem ser expulsos. E quando são, ainda dizem: “Eu é que decidi sair”.
Se Momade tivesse grandeza política, saberia que um líder se mede na queda, não na subida. Saberia que os aplausos não significam aprovação e que o silêncio das bases é um grito de socorro. Mas parece que ele prefere a surdez voluntária. Aquela que só termina quando já não há partido para liderar.
É triste ver a RENAMO assim. Uma casa em ruínas, com as portas arrombadas pelos próprios filhos, não por maldade, mas por desespero. Uma sede tomada não por inimigos, mas por camaradas. Um partido que já foi o símbolo de resistência agora resiste a si próprio. Um partido cuja história começa a ser tragicamente riscada por quem deveria protegê-la.
Resta agora perguntar: quantos dias mais resistirá o silêncio de Ossufo Momade? Quantas noites mais dormirão os guerrilheiros na calçada da história, à espera de justiça interna? Quantos militantes mais abandonarão o barco? E até onde irá este absurdo?
Se o senhor Ossufo ainda tiver um pingo de lucidez, um vestígio de dignidade ou uma gota de vergonha, que renuncie. Não por medo. Não por pressão. Mas por amor ao partido. Por respeito à sua história. Por consideração aos que lutaram. E, sobretudo, para que a RENAMO continue a existir. Porque, como dizia um velho combatente da resistência: “A pátria não se faz de discursos, mas de actos”. Está na hora de agir. E, neste momento, o melhor acto de amor à RENAMO é arrumar as botas e sair, senhor general!