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Sociedade

A disparidade de género na Mídia e sua urgente necessidade de Mudança

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Num mundo onde a imprensa é o reflexo da sociedade, uma voz ainda está a ser abafada. Mulheres continuam a lutar por espaço e reconhecimento numa indústria dominada por homens. Os números não mentem: das redacções dos jornais e rádios, aos estúdios das televisões, as mulheres estão sub-representadas e subvalorizadas. É hora de confrontar essa realidade desconfortável e promover uma mudança significativa.

NGANI – NAMPULA- 16-04.24 – Apesar dos avanços nas outras áreas, a imprensa ainda reflecte uma sociedade profundamente desigual em termos de género. Estatísticas mostram que as mulheres são minoria em posições de liderança e em cargos de destaque em todos os sectores da mídia. A representação do género não é apenas uma questão de igualdade, mas também de democracia e justiça social. A falta de diversidade de género nos meios de comunicação perpetua estereótipos prejudiciais e limita as oportunidades para as mulheres em todas as esferas da vida.

Dados doRelatório Anual de Mídia 2023, divulgados pela Associação h2n a 05 de Abril de 2024, mostram que nas redacções dos jornais, rádios e televisões em Moçambique, a presença de mulheres é frequentemente mínima. A cultura machista e a falta de oportunidades de avanço profissional contribuem para essa realidade preocupante.

Género na redacção

Dividido em cinco partes principais, nomeadamente: análise de género na redacção, tendências de género nas estações televisivas, publicação de artigos de género, inclusão de pessoas com deficiência e entrevistas, o estudo mapeou mais de 60 órgãos de comunicação, incluindo rádios, estações televisivas e jornais, visando avaliar a presença de homens e mulheres no seu quadro de pessoal. “Embora a predominância masculina nas Redacções seja um factor sobejamente conhecido, os relatórios de 2021 e 2022 revelaram uma ligeira tendência de crescimento no que diz respeito a colaboradores do sexo feminino, que registou um aumento de 1%, de 27% em 2021, para 28% em 2022”, lê-se. “Entretanto, os dados de 2023 indicam um ligeiro retrocesso, ao ilustrar uma representação igual à observada em 2021”.

No ano passado, indica o estudo, houve um ligeiro retrocesso, ao ilustrar uma representação igual à observada em 2021. Entretanto, apesar de se manter a predominância masculina em todos os órgãos, destaca-se um aumento na representação feminina em termos de números absolutos, com um aumento de 78% no número de mulheres, que passou de 320 em 2022, para 570 em 2023. “Ainda assim, são evidentes os desafios na luta por uma equidade de género efectiva nos meios de comunicação, bem como a necessidade de criação de estratégias mais robustas, visando promover uma representação mais equilibrada”, lê-se no documento.

Ao analisar a distribuição de género de acordo com o tipo de órgão de mídia, o relatório constatou algumas variações. As rádios comunitárias apresentam a maior proporção de colaboradoras, com 29%, seguidas pelos órgãos televisivos, que revelam uma representação de 24%, enquanto os jornais impressos indicam menor predominância, designadamente 21%. Esta tendência tem sido constante desde a divulgação do primeiro Relatório Anual de Género na Mídia e ressalta a importância de implementar acções específicas para cada tipo de órgão.

Apesar da falta de progresso quando se considera o universo dos órgãos, o documento aponta que se observa uma evolução em 42 rádios e 4 jornais, nos quais o “Projecto Asas” tem implementado acções com vista a reforçar a capacidade institucional, melhorar a representação das mulheres e incluir questões de género nos conteúdos produzidos. “Nestes órgãos, a proporção de colaboradores do sexo feminino aumentou de 27% nas rádios e 35% nos jornais, em 2022, quando comparado com 2021.

Para 2023, registou-se um aumento de 45% e 59%, respectivamente. Este panorama sugere que a implementação de programas ao nível dos órgãos de mídia pode contribuir para uma maior representação de mulheres”, lê-se.

Como forma de melhorar a situação, o Relatório Anual de Mídia 2023, avança com algumas recomendações que passam pela (i) implementação de políticas e práticas nas Redacções que fomentem as oportunidades de emprego para mulheres em todos os níveis na área de mídia; (ii) desenvolvimento de programas de formação e consciencialização no âmbito das Redacções visando prevenir estereótipos de género e promover a igualdade; (iii) estabelecimento de políticas rigorosas contra o assédio sexual e garantir um ambiente de trabalho seguro, incentivando as mulheres a denunciar tais casos, com recurso a procedimentos claros e seguros que as protegem de possíveis retaliações; (iv) destacar o trabalho de mulheres na mídia, proporcionar-lhes notoriedade e reconhecimento pelas suas contribuições, e garantir que as suas realizações em conteúdos editoriais sejam destacadas; (v) incentivar a inclusão de perspectivas femininas em todas as fases do processo editorial, desde a selecção de pautas até à produção de conteúdos; entre outras medidas.

Tendência de género nas televisões

Nas telas de televisão, a representação das mulheres é muitas vezes estereotipada e superficial. Personagens femininas frequentemente são retratadas como secundárias ou limitadas a papéis tradicionais de género. A análise feita no relatório em relação à representação de género na grelha de televisão em Moçambique, com foco nos campos do desporto, entretenimento, telejornalismo e debates, mostrou uma maior presença de mulheres do que de homens, com uma proporção de 59% mulheres e 41% homens como apresentadores, produtores e coordenadores, nos 43 programas analisados. “No entanto, uma pesquisa mais profunda revela uma discrepância significativa relacionada com o local e a função de homens e mulheres em tais esferas, destacando a necessidade de uma maior igualdade de oportunidades, inclusão e diversidade”, avança o relatório.

No que diz respeito à apresentação de programas, observou-se, segundo do documento, uma tendência de as mulheres actuarem predominantemente como apresentadoras de programas de entretenimento e telejornal, enquanto a presença de homens é dominante na área desportiva e em programas de debates. Ou seja, as mulheres representam três quartos do total de apresentadores de programas de entretenimento e telejornal, e os dados são inversos quando se trata de desporto e debates. Esta disparidade é preocupante e demonstra um desequilíbrio na representação de género, enfatizando uma divisão estereotipada em relação a programas a ser apresentados por homens ou mulheres.

Considerando o número total de pessoas envolvidas em diferentes aspectos dos programas (apresentação, produção e coordenação), no que diz respeito ao desporto, a pesquisa constatou que a presença de homens é dominante, sendo de 80% em comparação com apenas 20% de mulheres. Nos outros campos, observou-se uma maior presença de mulheres. Os dados revelam a existência de 68% de mulheres e 32% de homens no sector de entretenimento, 65% de mulheres e 35% de homens no telejornalismo e 60% de mulheres e 40% de homens nos programas de debate.

“Esta maior participação feminina é encorajadora; contudo, é crucial investigar se as mulheres são tratadas de forma igualitária e se as suas opiniões são valorizadas da mesma forma que as dos homens – por exemplo, nos programas de debate, analisar o equilíbrio em termos de sexo dos convidados, e que implicações podem daí advir para o programa”, aponta o estudo.

Publicação de artigos jornalísticos de género

Mesmo na publicação de artigos jornalísticos de género, pouco se lê sobre as mulheres nos órgãos de comunicação moçambicanos. Para analisar a representação de género e as tendências de publicação de artigos jornalísticos de género na mídia impressa, o Relatório Anual de Mídia 2023, avaliou 312 edições de jornais, de Janeiro a Dezembro de 2023, dos quais mereceram análise 7336 artigos publicados. Os dados revelaram, mais uma vez, uma disparidade entre homens e mulheres. Considerando-se as fontes a que se recorreu nos artigos, 73% das constantes no jornal são constituídas por homens, contra 27% por mulheres.

A representação de homens e fotos não apresentam um cenário diferente. Nas imagens, 54% são figuras masculinas, enquanto apenas 46% revelam indivíduos do sexo feminino. Estes dados ilustram uma sub-representação em termos de opinião e notoriedade das mulheres.

Das fontes masculinas identificadas nos jornais, 6% são apresentadas como vítimas, enquanto 11% são referidas a título de especialistas. Por outro lado, as que dizem respeito ao sexo feminino figuram em 13% dos casos como vítimas e mantêm a percentagem, na qualidade de especialistas. Uma possível explicação para a diferença na representação de fontes masculinas e feminina deriva do facto de que as mulheres são frequentemente consultadas quando se encontram em posições incontornáveis, por exemplo, no caso de serem o rosto de alguma instituição ou organização.

Dos 7.336 artigos publicados pelos jornais nas edições avaliadas, apenas 196 abordavam questões de género, o que representa 4% do total. Embora tenha havido um aumento de 1%, comparando com os dados de 2022, os números evidenciam que a mídia impressa continua sem dar o devido espaço à cobertura jornalística desta área temática. Dos nove órgãos avaliados, o jornal Savana continua, pelo terceiro ano consecutivo, a ser o que menos artigos sobre género produz, não tendo sido identificado nenhum tipo de artigo referente à área em todas as 24 edições do jornal apreciadas. Generus e Evidências foram os semanários com mais publicações, 71 e 33 artigos, respectivamente, em 24 edições. Por sua vez, o Ikweli e Diário de Moçambique são os diários com maior produção de artigos de género, apresentando 26 e 22, respectivamente.

Apesar de se manter uma predominância de artigos sobre a violência baseada no género (VBG), em 2023 houve uma maior variedade e equilíbrio de assuntos, se comparado com os anos anteriores. Em 2022, por exemplo, 27% dos artigos de género publicados diziam respeito à VBG, reduzindo para 19% em 2023. Os restantes tópicos mereceram uma publicação aproximada, com excepção da gravidez precoce, que foi o tema que constituiu 1,5% dos artigos de género, e participação cívica (3%).

A avaliação dos artigos de género de 2023 mostra uma tendência de variação em que alguns meses apresentam um maior número de conteúdos publicados que outros. No mês de Janeiro foram produzidos 24 artigos, o maior número de publicações, abordando, na sua maioria, questões relacionadas com a educação da rapariga, facto que pode estar ligado ao início do ano lectivo. A continuidade na cobertura sobre VBG e o destaque dado à questão do feminicídio, iniciado durante os 16 dias de activismo, também pode ter influído nestes números. Os meses de Julho, Agosto e Setembro destacaram-se com um aumento na publicação de artigos, designadamente 20, 21 e 19, respectivamente. Segundo o estudo, o fenómeno pode ser atribuído ao Dia Internacional da Rapariga, efeméride celebrada a 11 de Agosto, que proporciona vários debates com cobertura jornalística ao nível do país, facto evidenciado pelo tipo de pautas que foram publicadas em maior número neste período, com destaque para o assédio sexual nas escolas, a violação sexual de raparigas, as uniões prematuras, e violência baseada no género. Nos meses sem eventos específicos ou com baixa consciencialização, os números de artigos publicados tendem a diminuir.

Tendo em conta as fontes a que se teve acesso no respeitante a artigos de género na mídia em Moçambique, podemos concluir que a maioria é considerada credível. Dos 141 artigos analisados, 99 foram classificados como tendo sido obtidos de fontes dignas fiáveis. No entanto, é importante destacar que um número significativo de fontes foi considerado como parcialmente credível (34) e não credível (8). “Estes dados indicam que há uma parte de artigos que pode apresentar informações questionáveis ou tendenciosas”, comenta o estudo.

Como recomendações para essa parte, o Relatório Anual de Mídia 2023 avança que (i) é preciso desenvolver e implementar políticas editoriais que incentivem a inclusão de artigos de género nas pautas, regularmente; (ii) estabelecer metas específicas e mensuráveis pode ser uma estratégia eficaz, como, por exemplo, a inclusão de pelo menos uma pauta de género em cada uma das edições do jornal; (ii) encorajar a realização de reportagens investigativas sobre questões de género com vista a analisar os problemas de forma mais profunda, mas também apresentar possíveis soluções; (iii) incluir uma variedade de fontes femininas em diferentes áreas, designadamente especialistas, líderes comunitárias e mulheres em diversas profissões, tendo em conta as perspectivas e experiências retratadas nos conteúdos jornalísticos, em general, e nos de género em particular; e (iv) envolver os decisores ao nível dos órgãos de informação em seminários, formação, mentoria e rodas de partilha de boas práticas para que estes percebam a importância da integração de conteúdos de género e promoção de igualdade de género, e pautem por uma representação equilibrada de homens e mulheres no jornal.

Um problema com raízes profundas

Reagindo ao relatório, o jornalista do NGANI, Agostinho Miguel, disse que as consequências da sub-representação das mulheres na mídia são profundas. “Mudar essa realidade exigirá uma abordagem multifacetada e sistêmica”, disse Miguel. “Embora os desafios sejam significativos, também existem oportunidades para promover uma mudança positiva. Iniciativas de inclusão, políticas de igualdade de género e apoio às vozes das mulheres são passos cruciais nessa jornada”, acrescentou.

Érica Paulo, psicóloga e apaixonada por questões de género, aponta que a disparidade de género na mídia tem raízes profundas na sociedade patriarcal, onde os homens têm historicamente ocupado posições de poder e influência.

“Todos nós, como consumidores de mídia, também temos uma responsabilidade de exigir uma representação mais justa e inclusiva. Apoiar e promover o trabalho das mulheres na mídia é essencial para criar uma sociedade mais igualitária”, afirma Paulo. “Apesar dos desafios, há exemplos inspiradores de mulheres que estão quebrando barreiras e conquistando espaço na mídia. Essas histórias de sucesso são prova de que a mudança é possível”, acrescentou.

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