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Economia

Reféns do dinheiro alheio

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Moçambique está a aprofundar perigosamente a sua dependência do financiamento externo para sustentar os investimentos públicos, colocando em risco a sustentabilidade das políticas de desenvolvimento e a soberania orçamental do país.

A constatação é de um estudo divulgado pelo Centro de Integridade Pública (CIP), que analisa a proposta do Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE) para 2025 e aponta caminhos urgentes para uma reforma fiscal estrutural. Segundo o estudo, elaborado pelos pesquisadores Gift Essinalo e Teresa Boene, o PESOE 2025 prevê que 75% da despesa de investimento público será financiada por recursos externos — o equivalente a 74,6 mil milhões de meticais.

Em contrapartida, apenas 25% dos investimentos, cerca de 24 mil milhões de meticais, virão de receitas internas. Este quadro representa uma redução significativa da contribuição nacional, que em 2024 foi de 45,3 mil milhões de meticais.

O aumento da dependência externa não é um fenómeno novo, mas torna-se cada vez mais preocupante num contexto em que o apoio internacional se mostra volátil, condicionado a interesses geopolíticos e frequentemente sujeito a cortes inesperados. Um exemplo recente foi a suspensão de apoios estratégicos por parte da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e da Millennium Challenge Corporation (MCC), que comprometeu projectos essenciais e obrigou o Governo a recorrer a medidas de emergência.

“O país está numa encruzilhada: ou reforça a sua capacidade interna de mobilizar recursos, ou continuará a hipotecar a sua autonomia e a comprometer o futuro do investimento público”, adverte o estudo.

Crescimento económico sem arrecadação fiscal

 Apesar de Moçambique apresentar sinais de crescimento económico nos últimos anos, essa expansão não tem sido acompanhada por um aumento proporcional na arrecadação de receitas fiscais. O Produto Interno Bruto (PIB) real cresceu, em média, 7,7% ao ano entre 2015 e 2024, enquanto as receitas fiscais aumentaram apenas 6,25% ao ano.

O descompasso entre crescimento económico e arrecadação é atribuído a diversos factores. Entre os principais, destaca-se o modelo de desenvolvimento baseado em megaprojectos de extracção de recursos naturais, que geram grande impacto no PIB, mas pouca receita fiscal directa.

De acordo com o economista Carlos Castel-Branco, citado no estudo, esses projectos têm fracas ligações com o restante da economia, o que reduz os seus efeitos multiplicadores e limita a expansão da base tributária. Outro obstáculo apontado é o elevado nível de informalidade da economia moçambicana. Grande parte da actividade económica ocorre fora do alcance das autoridades fiscais, o que significa que milhões de meticais circulam sem qualquer contribuição para os cofres públicos. Esta realidade fragiliza o Estado, aprofunda desigualdades e torna insustentável a prestação de serviços públicos essenciais.

O estudo do CIP alerta que, embora os recursos externos desempenhem um papel importante no financiamento do investimento público, são marcados por uma elevada imprevisibilidade. Entre 2019 e 2023, os desvios entre os valores previstos e os efectivamente recebidos em donativos ultrapassaram os 40%, enquanto os desvios nos créditos externos rondaram os 29%. Além disso, a maior parte dos fundos externos vem vinculada a projectos específicos, o que restringe a liberdade do Estado na sua aplicação.

Em 2024, por exemplo, cerca de 94% dos donativos recebidos estavam já consignados a iniciativas definidas pelos doadores. O mesmo aconteceu com mais de 56% dos créditos externos.

“Essa rigidez reduz drasticamente a margem de manobra do Estado para responder às prioridades nacionais”, alerta o relatório. “Na prática, o país perde o controlo sobre os seus próprios recursos, o que mina a eficácia da planificação e execução das políticas públicas.”

Em casos extremos, como aconteceu com a suspensão dos apoios da USAID e do MCC, o impacto é ainda mais severo. Programas em curso foram paralisados, a prestação de serviços básicos foi colocada em causa e a imagem de Moçambique junto da comunidade internacional deteriorou-se.

Reforma fiscal é chave para o futuro

Diante deste cenário, o CIP defende que Moçambique deve acelerar a implementação de uma reforma fiscal profunda e estrutural, capaz de ampliar a base tributária e melhorar a arrecadação de receitas internas. O estudo recomenda ainda a definição de metas claras e realistas para reduzir gradualmente a exposição ao financiamento externo, especialmente nos sectores sociais como saúde, educação e abastecimento de água.

“É preciso que o Estado recupere a sua capacidade de investir com base nos recursos que produz internamente. Só assim será possível garantir estabilidade, previsibilidade e soberania na condução das políticas públicas”, argumentam os autores.

A dependência externa, além de fragilizar a autonomia financeira do país, compromete também a qualidade e a continuidade dos investimentos públicos. Como grande parte dos recursos é afectada a finalidades específicas, muitas vezes os projectos implementados não respondem às necessidades mais urgentes da população.

“Temos escolas construídas com fundos externos, mas sem professores, ou centros de saúde sem pessoal e medicamentos. Isso acontece porque o financiamento não é coordenado com a capacidade interna do Estado de manter esses serviços”, explica um economista consultado pelo jornal, que prefere o anonimato. Essa lógica também se reflecte nas infraestruturas.

Obras inacabadas ou abandonadas são frequentes, justamente por dependerem de financiamentos fragmentados, inconsistentes ou descontinuados. O resultado é uma sensação de ineficácia generalizada na governação, que alimenta a desconfiança dos cidadãos e reduz a legitimidade do Estado.

Por Félix Filipe

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