Sociedade
Kenmare cede à pressão: A ponte que nasceu do fogo

A localidade de Topuito, no distrito de Larde, no coração da zona mineira da Kenmare, foi palco de violentas manifestações entre quinta-feira e sábado, reflectindo a onda de tensões pós-eleitorais que se espalham pelo país. Durante os protestos, marcados por invasões, destruição de bens e confrontos com autoridades, a população local forçou a mineradora irlandesa a assinar um acordo para a construção da tão esperada ponte sobre o rio Larde, uma promessa que se arrasta desde 2017.
Os distúrbios começaram na última quinta-feira, quando mais de uma centena de manifestantes invadiram o bloco administrativo da Kenmare após atearem fogo em infraestruturas recém-construídas, algumas prestes a serem inauguradas, além de outras já em uso. A situação atingiu proporções alarmantes, com manifestantes bloqueando a pista de pouso da empresa, obrigando uma aeronave a decolar antes do previsto para evitar um possível incêndio. Não apenas a mineradora sofreu com os ataques. A escola secundária de Toquito foi incendiada, assim como as sedes do partido Frelimo na vila-sede de Larde e em outras localidades vizinhas.
Segundo relatos, os manifestantes, muitos dos quais não reconhecidos pela comunidade local, iniciaram as acções com um ataque ao secretário do bairro, acusado de corrupção em processos de emissão de declarações para emprego na mina e cobrança de taxas abusivas relacionadas às compensações por terras. O secretário, alvo de agressões graves, encontra-se hospitalizado em Nampula. No sábado, os protestos intensificaram-se, com manifestantes ameaçando incendiar a mina caso houvesse resistência. Forçando motoristas a abandonarem mais de dez viaturas, eles seguiram em direcção ao povoado de Pilivili, onde está em curso a expansão da mina, antes de avançarem para a vila de Moma com o objectivo de vandalizar instalações da cadeia distrital e do comando policial para libertar detidos. Durante as invasões também libertaram detidos cujo número e identidade permanecem desconhecidos. Diante da escalada da violência, autoridades distritais, incluindo o administrador de Larde, fugiram da região por questões de segurança, levando consigo familiares e outras figuras de topo, que permanecem em paradeiro desconhecido.
Para Marracuene Abdala, activista social e membro fundador do Comité de Gestão de Recursos Mineiros em Moma e Larde, as reivindicações dos manifestantes são legítimas. Ele argumenta que as acções não têm conexão com comandos políticos externos, mas reflectem a insatisfação crescente da população com promessas não cumpridas da Kenmare, feitas durante consultas comunitárias. Entre essas promessas estavam a construção da ponte sobre o rio Larde, melhorias na estrada que liga a mina à cidade de Nampula, compensações justas aos agricultores cujas terras foram expropriadas e maior oferta de emprego para jovens locais. Há uma frustração generalizada entre os populares. As compensações acordadas, que deveriam variar entre 75 mil e 100 mil meticais conforme as áreas de cultivo, não estão sendo pagas integralmente. Em muitos casos, os valores foram drasticamente reduzidos, chegando a mil meticais. Além disso, apenas 20% dos agricultores receberam compensações, segundo mapeamento por GPS. A ponte sobre o rio Larde é o símbolo maior de anos de promessas vazias, e a população aproveitou o contexto das manifestações pós-eleitorais para exigir mudanças concretas”, destacou Abdala.

Regina Macuaca, representante da Kenmare, confirmou a invasão das instalações e a paralisação provisória das actividades da empresa por questões de segurança. “As viaturas tomadas pelos manifestantes pertencem a empresas subcontratadas, com instalações localizadas em diversos bairros próximos à mina. Decidimos nos abster de qualquer confronto para evitar uma escalada da situação”, explicou. A construção da ponte, considerada crucial para a ligação da localidade à sede do distrito e ao restante da província de Nampula, finalmente deverá começar nesta segunda-feira, 09 de Dezembro. A obra está orçada em pouco mais de oito milhões de dólares, a serem integralmente financiados pela Kenmare. Inicialmente, o custo seria dividido entre a empresa, a comunidade e o governo, mas este último alegou falta de fundos para cumprir a sua parte no acordo. Com anos de atrasos e frustração acumulada, o início das obras é visto como uma vitória simbólica para a população, que há tempos aguarda que as promessas de desenvolvimento finalmente saiam do papel.
Por Júlio Paulino