Opinião
Memba: o paraíso do garimpo ilegal

Na busca incessante por recursos naturais em Nampula, histórias como a de Marta Sampaio, mãe de três filhos e garimpeira há cinco anos, emergem como testemunhos vivos do dilema enfrentado na província mais populosa de Moçambique. A presença de mulheres como Marta, que buscam no garimpo uma solução para necessidades urgentes, reflecte a realidade complexa e dolorosa da abundância de recursos numa circunscrição onde a riqueza potencial coexiste com a persistente pobreza.
Essas narrativas não apenas ilustram a luta diária pela sobrevivência, mas também destacam os impactos negativos profundos que a exploração desenfreada de recursos pode ter sobre as comunidades locais, que enfrentam desafios como a erosão dos solos, contaminação dos rios, problemas de saneamento, e falta de infraestruturas adequadas para garantir um desenvolvimento sustentável e equitativo. A voz de Marta ecoa a realidade de tantos outros que, em meio à esperança de uma vida melhor, confrontam-se com a dura realidade de extorsão perpetrada pelos agentes da Polícia da República de Moçambique (PRM).
“Actualmente, nossa produção foi reduzida devido ao medo da polícia, pois a mina foi fechada oficialmente. No entanto, quando conseguimos extrair ouro, vendemos facilmente no mercado local. Isso nos ajuda a resolver problemas domésticos com o dinheiro ganho”, disse Marta.
À semelhança da Marta, Rita Maissa, uma adolescente de apenas 17 anos e órfã de pais, assume o fardo de prover sustento para a sua avó e o irmão mais novo. “É um fardo pesado, mas não tenho escolha”, disse Rita. Abandonando os corredores da escola em prol da picareta e da peneira, ela descreve os dias exaustivos em busca de ouro. “O garimpo é a minha única tábua de salvação. Não posso permitir que a minha família sofra na sombra da miséria”, declarou com determinação firme.
Contudo, entre os escombros da esperança dilacerada, Rita recusa-se a entrar no mundo da prostituição, optando por trilhar uma estrada menos infame, mas não menos árdua. “Nós temos as nossas próprias regras aqui, os nossos próprios limites”, afirma com um olhar desafiador, enquanto narra a sua resistência contra as investidas da criminalidade e da exploração. Entretanto, na luta por uma vida honesta, a adolescente vive a rotina desesperada entre a sobrevivência e a ilegalidade. “Temos de subornar a Polícia para poder exercer a actividade nesta terra que me viu nascer”, lamentou.
Nampula é reconhecida por sua abundância de recursos minerais, tais como areias pesadas, ouro, turmalinas e quartzo. A ocorrência de minérios tem estado a alimentar actividades clandestinas e ilegais, desconsiderando completamente as normas legais estabelecidas. Consequentemente, tem havido um aumento significativo na evasão fiscal, à medida que essas actividades são conduzidas à margem da lei. Os dados precisos sobre a perda do Estado são escassos e imprecisos. Entretanto, as autoridades moçambicanas têm realizado apreensões significativas desses materiais.
Em 2011, por exemplo, 500 quilos de pedras preciosas e semi-preciosas foram apreendidos na cidade de Nampula, após denúncias da população, destinadas à exportação ilegal. Em 2020, 780 quilogramas de turmalinas foram confiscados no distrito de Eráti. Mais recentemente, em 2022, cerca de 53 toneladas de pedras semi-preciosas foram interceptadas no posto de controlo de Anchilo, no distrito de Nampula, a caminho do Porto de Nacala, nas mãos de contrabandistas.
A investigação conduzida pelo NGANI desvenda outra face preocupante dessa situação. Observa-se que o processo de exploração de minérios por meio do garimpo, especialmente no que diz respeito às gemas e ao ouro, está a ser associado ao financiamento do terrorismo, além de criar um clima de insegurança. Isso é evidenciado pelo recrutamento de jovens para integrar as fileiras dos grupos terroristas, conforme mencionado por alguns governantes nos seus discursos. No entanto, há questionamentos sobre as medidas tomadas para eliminar essa fonte de financiamento.
O distrito de Memba, especificamente no Posto Administrativo de Mazua, que dista a cerca de 100 quilómetros da vila-sede e pouco mais de 300, da capital província de Nampula, onde por conta de informações relacionadas com a circulação de terroristas encontramos a região quase deserta. Há rumores de recrutamentos de jovens para as fileiras do terrorismo em Cabo Delgado. Lembre-se de que, em 2022, Memba sofreu um ataque terrorista.
Ouro em abundância, pobreza também
O ouro é o minério que coloca o povoado de Mazua na rota de muitos operadores, na sua maioria ilegais. O local atrai pessoas de diversas partes do país, além de estrangeiros que chegam para explorar as suas actividades sem qualquer autorização oficial, enquanto as autoridades parecem mostrar pouca ou nenhuma intervenção. Sem licenças ou documentos formais, esses indivíduos estabelecem-se na região como se fosse o seu território, frequentemente contratando moradores locais para trabalhar nas minas.

Joshua, um tanzaniano de 43 anos, partilha a sua experiência sobre as suas actividades em Mazua, onde tem estado envolvido na exploração de ouro por mais de quatro anos. Ele revela que emprega pelo menos 10 jovens moçambicanos para garimpar ouro, que posteriormente é vendido no seu país de origem. No entanto, ele expressa preocupação com a crescente interferência das autoridades policiais, que agora demandam subornos para permitir que ele continue as suas operações. Essa pressão está a tornar o seu negócio menos lucrativo recentemente. “Os meus rendimentos estavam acima de 100 mil meticais semanais, tirando o custo com os meus trabalhadores. Mas actualmente a situação é completamente diferente, pois levo duas a três semanais para conseguir o mesmo montante”, comentou.
Erosão dos solos, contaminação do rio, problemas de saneamento do meio, falta de infra-estruturas físicas que justifiquem a ocorrência de minérios, doenças de origem hídrica como são os casos de malária, diarreias agudas, cólera, e a degradação acentuada das vias de acesso, caracterizam o povoado de Namajuba, em Mazua.
Apesar da descoberta da ocorrência de ouro ter acontecido em 2013, a sua exploração ainda é conduzida de maneira rudimentar, sujeita a todos os riscos de morte associados aos desabamentos de terra. É importante ressaltar que em 2014, mais de um número considerável de pessoas perdeu a vida devido aos deslizamentos de terra durante operações de escavação. Esse trágico evento, que ocorreu há alguns anos, deixou uma marca indelével na comunidade, e até os dias actuais, as feridas emocionais e sociais desse acontecimento ainda não foram totalmente curadas.
Segundo informações recolhidas no local, os residentes recusam-se a abandonar a actividade de mineração, pois esta é uma das principais fontes de renda e sustento familiar. Enquanto isso, os recém-chegados buscam a sua sorte na esperança de enriquecimento através da caça ao ouro. Essa busca por riqueza leva à exploração desorganizada, sem distinção de género ou idade. Homens, mulheres e até mesmo crianças de todas as idades partilham o mesmo espaço, empunhando pás e cavando a uma profundidade de cinco a 10 metros em busca de ouro para vender e obter algum dinheiro. A polícia tem intervindo no local para proibir essa actividade, seguindo as recomendações do governo local e provincial.
Não obstante a corrida para o exercício da actividade de exploração do ouro, a agricultura continua a ser a principal actividade de sustento das famílias, e a mandioca, o milho, verdura, entre outras são as culturas de bandeira, pese embora a áreas de cultivo sejam ainda em pequena escala.
Samuel Alde, cuja idade desconhece, mas aparentemente de 50 anos de idade, relata que toda a sua família, incluindo o filho mais novo que de apenas 13 anos, dedica-se ao garimpo, paralelamente a produção de comida. “Agora que a mineração é proibida, a agricultura nos proporciona alguns produtos para a nossa alimentação durante um período determinado”, frisou.
Alde disse ainda que, enquanto aguarda pela maturação dos produtos na sua pequena machamba, dedicam-se ao garimpo, pese embora os riscos que correm. “Embora o dinheiro obtido seja imediato, ainda não atende a todas as nossas necessidades básicas. No entanto, conseguimos suprir o que tem nos faltado, como roupas, colchões, óleo alimentar, arroz e até mesmo um painel solar e um sistema de som”, sublinhou, acrescentando, contudo, que todos os residentes de Namajuba, que dista a 35 quilómetros do Posto Administrativo de Mazua, se dedica à actividade de garimpo, uma actividade que despoletou nos anos de 2013.
Mahando Mussa é outro garimpeiro ilegal que está ciente dos riscos da actividade, mas afirma que não tem outra opção. Ele diz: “Apesar dos riscos que corremos, a extracção do ouro ocorre em grande quantidade neste período do ano devido às chuvas. Quando a actividade é interrompida, a perfuração leva entre três e cinco dias, incluindo a lavagem do cascalho para obter o ouro”,informou e acrescentou: Estou há mais de 10 anos nessa actividade, mas consigo apenas pequenas quantidades, que não ultrapassam 100 gramas, tudo por conta dos agentes da polícia que estão a proibir sob a alegação de que a mina foi encerrada. Mas quando você tem dinheiro, eles permitem que continues a cavar”.
Escolas desertas por conta de garimpo e terrorismo
NGANI soube que, por um dos membros do conselho escolar, a única escola disponível no povoado e que vai até a 7ª classe, sobre o abandono de alunos para se dedicarem à actividade de garimpo de ouro, uma realidade preocupante. No entanto, têm sido feitos esforços contínuos para desencorajar esse comportamento.
A pobreza que caracteriza a região é apontada como sendo o principal nó de estrangulamento que leva a desistência escolar de grande parte dos alunos, alguns dos quais forçados pelos pais e encarregados de educação. “Sempre que o número de alunos reduz, activamos o sistema de policiamento escolar comunitário, que consiste em ir a todas residências onde temos alunos inscritos e mapeados para fazer com que regressem às aulas”, disse a fonte, mencionando que, para além de sensibilização das comunidades sobre a importância de os filhos irem à escola, facto que tem estado a minimizar os abandonos. “A nossa outra maior preocupação tem a ver com a insegurança que a região enfrenta, decorrente das ameaças relacionadas com a circulação dos insurgentes. Algumas famílias já começam a abandonar as suas casas para zonas mais seguras”, comentou.
Por seu turno, o administrador do distrito de Memba, Daniel Tacanheque, falando ao NGANI em torno do assunto, assegurou que das 30 escolas que se encontravam abandonadas a nível do distrito, incluindo as que se encontram em Namajuba, já se encontram em pleno funcionamento. “O encerramento deveu-se às ameaças terroristas, sobretudo quando escalaram os vizinhos distritos de Chiúre e Eráti, mas a situação regressou à normalidade, e as aulas estão a decorrer, e em Namajuba ordenamos o encerramento da mina, porque também propiciava os alunos a trocarem as salas de aulas pelo garimpo”, disse o governante.
Num outro desenvolvimento, Tacanhaque confirmou igualmente a existência de rumores do recrutamento de jovens em Memba, supostamente para as fileiras terroristas, mas disse que se trata de uma situação que já passou para a história depois de uma série de sensibilização junto às comunidades.
Desorganização coloca Namajuba fora dos planos do INAMI para este ano
Grácio Cuna, Diretor Nacional-Adjunto do Instituto Nacional de Minas (INAMI), reconheceu que a mineração artesanal é uma realidade em Moçambique, sustentando muitas famílias. Cerca de 800 mil pessoas estão envolvidas no garimpo de gemas, ouro e materiais de construção. No ano passado, o processo de legalização teve início, com cerca de 20 áreas em processo de licenciamento no primeiro semestre. O sector ainda carece de títulos mineiros, o que leva à exploração informal, mas estão a ser organizadas atribuições de títulos para associações, cooperativas e indivíduos envolvidos na comercialização.
Para Fila João Lázaro, delegado do INAMI em Nampula, a nona mineira de Namajuba, em Mazua, pelo menos para este ano, está fora do processo de organização em curso que o sector tem vindo a efectuar. O exercício circunscreve-se na atribuição de certificados mineiros, assim como a sensibilização para se organizarem em cooperativas.
“Nunca conseguimos estabelecer contacto com estruturas permanentes em Namajuba, o que dificulta a nossa capacidade de organização e adesão aos procedimentos legais recomendados. As certificações serão concedidas a uma cooperativa localizada no distrito de Nacaroa, Murrupula, Mavuco-Moma, e em outras áreas”, sublinhou o delegado, acrescentando, contudo, que tal facto seria uma mais-valia para aquelas comunidades.
Os garimpeiros apontam o excesso de burocracia e a corrupção como os principais factores que contribuem para a persistência do garimpo ilegal. De acordo com a Lei de Minas (Lei nº 20/2014 de 18 de agosto), a concessão de títulos de mineração é realizada em áreas disponíveis para requerentes que atendam aos requisitos estabelecidos na legislação e em outros documentos legais pertinentes. No entanto, Mahando Mussa, um garimpeiro, afirma que os títulos são atribuídos a grupos ligados a figuras influentes no poder. “Já tentamos criar associação para obter licença, mas até então nunca fomos respondidos, já lá se vão 4 anos”, disse.
Salvo Marcelino, um garimpeiro cooperativo com 28 membros, destacou que levou cerca de quatro anos para obter o certificado mineiro, atribuindo a burocracia como a principal razão. Ele ressaltou que começaram em 2016 e só obtiveram o certificado em 2020, incluindo a licença ambiental e o DUAT. Marcelino recomenda a descentralização de alguns serviços para as direcções provinciais do Ministério dos Recursos Minerais, o que poderia desencorajar o aumento de garimpeiros ilegais e reduzir a concorrência desleal.
Burrocu Yaya Dabo, um operador do sector mineiro, revelou que a sua empresa levou mais de um ano para obter a licença de comercialização de gemas e ouro, atribuindo o principal obstáculo ao excesso de burocracia e à centralização do processo. Ele relatou ter feito muitos investimentos em logística entre Nampula e Maputo na tentativa de agilizar o seu processo junto ao INAMI, mas finalmente obteve a licença.
Ana Virginia Fredrico e Albertina Evaristo Madjolo, ambas da associação mineira de ouro, que opera legalmente com uma senha mineira, fizeram um apelo ao governo, através do INAMI, para descentralizar e simplificar os procedimentos administrativos necessários para a obtenção de licenças mineiras. Elas argumentam que essa medida incentivaria mais cidadãos que actualmente operam ilegalmente a se tornarem legais.
“Muitos não recebem apoio adequado e acabam optando pelo garimpo ilegal, enquanto outros desistem devido às dificuldades na obtenção de documentos, especialmente para a população analfabeta, que é a maioria. Isso resulta na não utilização dos recursos disponíveis para eles”, disse Ana.
O representante do INAMI faz um apelo para que se busque parcerias que possam facilitar a aquisição de equipamentos, substituindo métodos rudimentares, e garantir o acesso legal à comercialização e exportação, pois isso fortaleceria as capacidades financeiras dos envolvidos.
O nosso interlocutor anotou igualmente que cerca de 80% dos minerais explorados em Nampula provém da actividade mineração de artesanal, mas apenas a captação é feita pelas empresas detentoras de licença, o que faz com que o sector não consiga registar a produção, porque não declaram.
A título de exemplo, no último censo mineiro realizado em 2020 no país, a província de Nampula contava com pouco mais de 33.976 pessoas envolvidas na mineração, distribuídas em cerca de 256 pontos de mineração artesanal. Esses pontos se concentram principalmente na extracção de ouro, pedras preciosas e semi-preciosas.
De acordo com dados em nosso poder, a média mensal no circuito ilegal de Memba é de pouco mais de 30 kg de ouro. Essa quantidade poderia gerar um significativo ganho financeiro para os cofres do Estado, considerando que o preço de mercado está entre 280 e 300 meticais por grama.
As comunidades locais não são acarinhadas pelo Estado e não tem benefícios
Osvaldo Caetano, um activista social com ampla experiência na supervisão dos processos da indústria extractiva no país e especificamente na província de Nampula, comentou que o sector de mineração artesanal está em declínio acentuado, não beneficiando as comunidades locais como se esperava, nem contribuindo para os cofres do Estado através da tributação. Isso se deve ao facto de que a extracção ser realizada por figuras proeminentes do governo e do partido no poder, muitas vezes sem licença. Esta falta de licenciamento limita a capacidade dos funcionários públicos de aplicarem medidas administrativas adequadas.

“As comunidades locais não possuem licenças para a mineração, resultando em falta de benefícios e insatisfação. Muitas associações e cooperativas que operam nas áreas de mineração não são locais, o que gera conflitos devido à falta de benefícios para os proprietários das terras.”, disse.
Nos locais de mineração, o desenvolvimento local não corresponde às expectativas, faltando infra-estruturas básicas como unidades sanitárias, escolas e furos de água, devido à ausência de responsabilidade social por parte das empresas. Além disso, há destruição do solo sem reposição adequada, violência, incluindo mortes por tiroteios, e prisões arbitrárias, pois os locais perdem o direito de exploração para figuras privilegiadas, resultando na transformação em garimpeiros ilegais. “A falta de transparência na atribuição de licenças, juntamente com a burocracia, favorece a elite, que muitas vezes não paga os devidos tributos. As comunidades locais não recebem apoio adequado e não são facilmente concedidas licenças ou permissões de venda de minérios, levando à ilegalidade”, sublinhou.
Como solução, Osvaldo Caetano aconselha para a necessidade de se operacionalizar a legislação através de acções combinadas de forma multi-sectorial envolvendo o sector público, privado assim como a Organizações da Sociedade Civil como forma de salvaguardar os interesses das comunidades e gerar robustez nos cofres do estado reduzindo a fuga ao fisco.
A fonte apontou, por outro lado, a fragilidade na fiscalização, como sendo outro constrangimento que afecta o sector, decorrente das constantes alegações do governo no que tange à limitação financeira. “As acções de fiscalização são feitas quando há interesses, não é feita de forma transparente e multi-sectorial, e financiadas pela parte interessada”, concluiu.