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Opinião

 “Ungilani Baka Kossa: Basta, Agualusa”

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À  primeira perdoa-se, à  segunda tolera-se com alguma reticência , mas à  terceira, diz-se basta! E é isso que digo ao Agualusa, escritor angolano que conheço  há mais de trinta anos. Sei, e já  tive oportunidade de o cumprimentar por lá, onde vive há anos num recanto bem idílico da Ilha de Moçambique; sei que tem escrito tranquilamente nessa nossa universalmente conhecida ilha; sei, e por lá passei (e fiquei desolado), que a trezentos metros da casa de pedra que hospeda Agualusa estendem-se os pobres e suburbanos bairros de macuti (cobertura das casas à base das folhas de palmeiras), com  crianças desnutridas, evidenciando carências  de gerações de desvalidos que nada beneficiaram com a independência de há 49 anos. Sei que essas pessoas carentes de tudo conhecem, nomeando, as poucas e influentes famílias moçambicanas que detém o lucrativo negócio das casas de pedra, mas deixam, na placitude dos dias, que os poderosos se banhem nas águas  do Índico, deleitando-se com “selfies” e encantadoras imagens do pôr do sol do Índico. Mas vamos ao essencial:

À  primeira, o Agualusa, a caminho de apresentação, em Luanda, do livro Vidas e Mortes de Abel Chivukuvuku, por sinal seu conterrâneo, disse, para o mundo lusófono e não só, que Moçambique tinha uma oposição pobre em qualidade, e que em nada se compara com a oposição  angolana. Relevei, pois pensei para com os meus botões, o homem tem as suas razões, dada a dinâmica da oposição em Angola  entre os três  movimentos da gesta nacionalista – MPLA, UNITA e FNLA. Por outro lado pensei que a biografia de Abel Chivukuvuku o havia encantado de tal modo que secundarizava, para não  dizer desprezava, tudo à  sua volta.

À  segunda, pensei, à  partida, que fosse uma piada, “une boutade”, como dizem os franceses, quando disse, a caminho de Lisboa, para o lançamento do seu último livro, que Venâncio Mondlane era um populista. Estava eu a caminho do exterior. E fui pensando, o Agualusa deve estar a exteriorizar o falatório de uma certa elite moçambicana que fica desvairada quando o status quo é abalado. Essa elite, normalmente gente com dois ou mais passaportes, pouco se expressa em público, mas está sempre atenta ao cenário  político. A dúvida  perseguiu-me, chegando a pensar que o escritor devia estar desconcertado, ao se imaginar, em um futuro próximo, assaltado pela turba dos deserdados  a invadir a pacata cidade de pedra da Ilha do Próspero, como a apelidou um dos nossos maiores poetas: Rui Knopfili.

À  terceira fiquei aloucado quando Agualusa escreve, em letras garrafais, na sua habitual crónica  portuguesa, que temos, em terras moçambicanas, um Bolsonaro africano! O Venâncio Mondlane?.. Um homem a assumir, corajosamente e com transparência, uma luta por mudanças no seu próprio país, vira um bolsonarista aos olhos de um escritor ricamente acomodado na ilha de Moçambique?! Não é  um despautério, é  um insulto à  nossa inteligência, à luta de muitos desfavorecidos  por uma vida mais digna e igualitária e, já agora, Próspera.

Posso admitir tudo, mas  isto não, Agualusa!  Uma afirmação dessas, dita por um escritor, habitualmente residente em Moçambique, em terras lusas, e aguardando por bons ventos para o seu regresso (pode-se presumir tudo, agora), não  provoca revolta? Os macuas são  calmos, como o moçambicano  em geral, mas não  gostam que lhes provoquem, que lhes pisem os calos!

Por vezes, Agualusa, as excessivas mordomias que não vêm do nosso suor,  tolhem-nos a visão.

Ungulani Ba Ka Khosa

Outubro de 2024

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